Independência Poética é uma série de entrevistas realizadas por LORENA LACERDA
Poeta de hoje: Maria Ávila
Maria Ávila é poeta, escritora, autora do livro “Poemas Paridos” (2021) e do e-book “Viva Mulheres” (2022). Baiana de Salvador, estudiosa da vida e obra de Frida Kahlo, está graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), e colunista das revistas Minha Voz Cultural e Aorta. Criadora da página @mariamariapoesia, desenvolve trabalhos como facilitadora de escrita e se move no mundo em conexão com a potência da palavra, escrevendo vida e vivendo poesia.
O que te inspirou a começar a escrever?
Não sei precisar quando exatamente comecei a escrever, lembro que ainda na escola, quando descobri o mundo das letras, me identifiquei com a poesia. Nessa mesma época, escrevia em diários e fui descobrindo, aos poucos, as possibilidades da escrita na minha vida. Assim, escrever se tornou parte de mim, da minha rotina e de tudo que cabe no universo dos meus dias. Com 14 anos criei um Blog para compartilhar e, ao mesmo tempo, guardar os meus poemas, era uma diversão de menina sonhadora e apenas mais tarde, ao ingressar na Universidade, resolvi investir na minha escrita enquanto trabalho. Hoje, escrever é vital para mim, e também fonte de renda e de trocas
maravilhosas que nunca imaginei. A cada palavra escrita, descubro um novo começo e a cada começo, um novo motivo para escrever.
O que você faz quando percebe que está com bloqueio para novas poesias?
Gosto de dar um tempo para as minhas ideias e sempre faço o possível para não pesar a minha relação com a escrita, a poesia é sagrada na minha vida então respeito o seu momento de acontecer livre até de mim. Quando preciso muito escrever e não consigo prosseguir, procuro por outras formas de arte como pinturas de Frida Kahlo, músicas, filmes… Essa é a forma mais gentil que encontrei para lidar com o bloqueio enquanto parte do processo criativo.
Seu maior sonho como escritor(a)?
Nossa, são tantos… Mas o maior deles, sem dúvidas, é fundar um espaço físico de dedicação à poesia e a diversas formas de arte, um lugar com livros, artesanatos, muita música, comidinhas gostosas, saraus ao ar livre e todo tipo de gente que sonha se movimentando livre a descobrir a liberdade da sua expressão.
Assunto preferido de escrever?
Eu amo escrever sobre o cotidiano, o amor, os encontros e desencontros, as histórias que vivo e, sobretudo, as que fico sabendo, mas sou eu o meu assunto preferido, cheguei a essa conclusão recentemente. Parafraseando Frida: “Escrevo a mim mesma por que sou sozinha, e por que sou o assunto que conheço melhor”. Soy mi musa!
Um elogio para sua própria escrita?
Vejo a minha escrita como um experimento, um processo de criação sem começo exato ou fim calculado, imersa em tudo que me atravessa, tentando transformar em poesia cada fragmento de vida que me escapa. Se for possível elogiar algo tão abstrato, posso dizer que gosto da sua simplicidade, da forma que ela é livre em letras minúsculas e versos bagunçados mas, mesmo assim, tem a minha assinatura, o meu olhar impresso. Se esse olhar é bom ou ruim,
não posso opinar, mas gosto de saber que ele é fiel a tudo que sinto e sou enquanto sujeito no mundo.
Já publicou algum livro? Quais? Caso não, tem planos?
Sim! Publiquei o livro “Poemas Paridos” (2021) e o e-book “Viva Mulheres” (2022), os dois reúnem poemas autorais. Tenho planos de publicar muitos outros e ocupar estantes, mesas de cabeceira, mesas de bar, bolsas, malas de viagem e muitos corações! Quero a minha poesia voando e alcançando pessoas diversas.
Quais inspirações do cotidiano despertam sua escrita?
Tudo que couber no alcance dos meus sentidos: do vento que arrepia a pele, ou bagunça o cabelo, até o sol, o mar e toda a beleza indescritível da natureza e das nossas relações. Eu tenho um encanto natural pelo mundo e pelas pessoas, acredito que desse encanto surge a matéria da minha poesia.
Qual dos seus poemas mais te define?
“não se vence uma guerra
com poesia
mas sem poesia todos os outros dias são perdidos”
(Poema 25 do livro “Poemas Paridos”, p. 42)
Qual a parte mais fácil e mais difícil da escrita para você?
A escrita enquanto um processo de criação é o meu lugar preferido no mundo, gosto do meu processo, amo o lúdico e me divirto com as possibilidades das minhas ideias para um texto ou para um novo Projeto, por isso o mais difícil para mim, enquanto autora independente, é conciliar a criatividade com a parte prática e exaustiva de lidar com o mercado, com o algoritmo nas redes sociais e com as dificuldades para fazer literatura no Brasil, sobretudo em Salvador.
Qual sua obra favorita de outro autor(a)?]
Não consigo escolher um único livro como favorito, mas como estamos aqui falando sobre poesia eu escolho o livro “Poemas” da poeta polonesa Wislawa Szymborska.
Um livro de Maria Ávila
Nome da obra?
“Poemas Paridos”
Quando e em qual editora foi publicada?
“Poemas Partidos” é uma publicação independente, feita pela EGBA (Empresa Gráfica da Bahia), publicada em setembro de 2021.
Existe um tema central nos seus poemas/poesias? Qual?
Em “Poemas Paridos” eu reuni poesias sobre o universo feminino que dialogam com a sensibilidade de qualquer pessoa, independente do gênero. Partindo da minha realidade, escrevi sobre ansiedade, medo, dor e libertação, encontrando poesia no cotidiano e marcando cada poema com a proposta central do livro, a intensidade da poesia marcada pela força e o amor necessários para gerar uma vida, por isso o título que marca a intensidade e faz referência ao vocabulário popular.
As poesias são divididas em fases nessa obra? Se sim, o que te motivou a fazer isso?
Não, as poesias estão reunidas em um fluxo contínuo.
O que te incentivou a escrever esse livro?
Escrever e publicar um livro sempre foi o meu maior sonho, há muitos anos desejava escrevê-lo mas ainda não conhecia a minha escrita ao ponto de saber como a colocaria para o mundo, também não sabia qual tema deveria abordar nem conhecia sobre o processo de publicação de um livro. Quando iniciei a minha página @mariamariapoesia no Instagram, comecei a me dedicar mais ao meu trabalho de poeta e, de maneira natural, o sonho foi se tornando uma possibilidade. Em 2021, com leitores e depois de muitas pesquisas e contatos,
o livro-sonho enfim ganhou forma. Por ser o meu livro de estreia e, acima de tudo, uma realização pessoal, sei que os próximos não serão como ele e sou muito grata por todas as experiências lindas que ele tem me proporcionado desde antes do seu lançamento.
É possível destacar uma poesia que mais se assemelha a seu cotidiano?
O poema 33 do livro, o “rua da poeira”, traz no título a rua em que vivo em Salvador, lembro exatamente do dia em que o escrevi, um fim da tarde com o sol se despedindo e eu escrevendo cada detalhe daquele momento, daquela vida que pulsa no lugar que eu mais entendo como casa no mundo. Esse é o poema:
rua da poeira
o fim de uma tarde na metade do verão
o começo de uma arte promessa pro meu coração passa no céu como passarinho
o voo de um avião
fecho os olhos e escuto baixinho uma martelada distante
um telefone que toca trim trim trim atende?
“alô” não há sossego
vida de prédio
tem cachorro latindo e o vento passando
uma luz dourada entra pela janela e beija a minha pele
já cansada do dia tento fotografar
mas com a câmera não consigo não sou boa de registro
sem palavra e poesia
o cabelo todo bagunçado a lista cumprida
dessa mulher produtiva
que passeia no meu corpo vez ou outra ainda sinto o vento
ele dança pelo meu quarto brinca com os meus pelos arranha as minhas costas encostadas na janela ainda ouço
esse quase silêncio tudo distante e bucólico como um fim de tarde na capital da Bahia
uma moto rápida de um entregador
o ambulante que grita “abará tempérádô” a sirene da ambulância
e alguma voz que comenta sobre a pandemia “pííícolé”
o senhor grita alto
vende nas ruas há mais de 40 anos mas cadê a aposentadoria?
a chave do vizinho cai no chão
o vento segue o seu caminho
um bichinho ou outro canta aqui do lado e no meu peito, agora calado,
repousa a sede de transformação mas mesmo entendendo tanto
o que haverá de ter aqui dentro além de um escritor
e atrevido coração?
(Poema 33 do livro “Poemas Paridos”, p. 53)
A sequência dos poemas conta alguma história?
As poesias seguem um fluxo natural da história contada pelo livro, no início concentrei poemas de sofrimento e, do meio para o final, trouxe poemas de cura e liberdade, acreditei nessa ordem como a melhor para o livro passar a mensagem que eu desejava.
Existe algum posicionamento político ou cultural na obra?
Como escrito em um dos meus poemas preferidos da Wislawa Szymborska: “Somos filhos da época e a época é política. Todas as tuas, nossas, vossas coisas diurnas e noturnas, são coisas políticas.” Com a minha obra não é diferente, para além dos temas abordados explicitamente como a luta pelos direitos das mulheres e o incômodo com a desigualdade social, o livro foi escrito e publicado em um período pandêmico no qual o Brasil viveu um terror sanitário e político, por isso marquei através do Poema 16+1 o meu posicionamento contrário ao governo vigente na época, para que o livro pertença ao momento histórico no qual foi escrito enquanto ferramenta de crítica e denúncia de forma atemporal.
Qual a relevância dos personagens implícitos/explícitos da obra?
Eu escrevo sobre pessoas reais e suas angústias, suas esperanças e o que há de mais banal nos seus dias. Os meus personagens são as mulheres que sou, as pessoas que amo, os trabalhadores que passam pela minha rua, todos aqueles que me inspiram a ver uma centelha de arte no comum, e assim me ajudam a transformar essa pequena luz em uma chama de esperança, conforto, ou simplesmente poesia, naqueles que me leem. Na verdade eles fizeram tanto o meu livro quanto eu, então divido com cada um a autoria e agradeço pela inspiração.
Qual a poesia mais marcante desse livro?
Uau! Que pergunta difícil… O meu poema favorito é o “Fale!”, sempre que estou em um Sarau, palestra ou aula decido compartilhar, escrevi seus versos com tanta força que me sinto forte sempre que o repito.
Esse é o poema:
fale!
sua voz importa porque a sua grandeza
o silêncio não comporta então rompa com ele
o destrua, escancare a porta abra as janelas
e as cortinas da sua alma tire tudo o que adorna
não se preocupe com resposta fale! escreva! pense alto!
voe alto! sonhe alto! permita-se! quebre esse maldito silêncio que rasgou a garganta
das que vieram antes de nós ninguém vai te calar
porque essa poesia é a sua voz
essa poeta é a sua voz cada mulher
em cada canto do mundo denunciando, dizendo “não” é a sua voz
falamos juntas
em diversos idiomas por todo tipo de texto e todo jeito de arte nos movimentos
de cada contexto nossa voz é grande e poderosa
então pode falar
não se cale! não me Kahlo!
não há calo no pé
que diminua a vontade de seguir caminhando
em comunhão com a liberdade enfrentando cada injustiça
e toda desigualdade
de uma sociedade corrompida enquanto Malalas no mundo falam afirmo, como Marielle:
“Eu não serei interrompida!”
(Poema 38 do livro “Poemas Paridos” p. 62)