Areia Literária Revista Kuruma'tá, 2 de março de 202310 de outubro de 2023 Nossa amiga e parceira Tays Melo trazendo pra gente os talentos de Sonia Souza e Bianca Cruz. São vozes femininas de Areia, cidade do brejo paraibano. Deixo agora a palavra com Tays, que nos apresenta essas duas talentosas areienses! Cidade de Areia – PB | Foto de Tays Melo Areia é uma pequena cidade do brejo paraibano onde mistérios percorrem como água da chuva, as fendas de seu calçamento torto, erodido e alisado pelo tempo. A superfície de cada paralelepípedo brilha com os raios do sol logo no começo do dia. Não importa o quanto se emende as frestas das portas dos casarões antigos, tentando empatar os mistérios areienses de escaparem à luz do sol. Eles orientam fuga e nas fugas ouvimos sussurros, vozes altas ou até mesmo gritos de mulher. Debaixo das árvores nas estradas dos engenhos ou nas ruelas estreitas da urbes as silhuetas entregam as insurgentes. Sonia Souza é mulher negra, mãe solo, nascida no campo, na luta, independente, e mostra em seu texto apenas um grão de sua essência ao lembrar sua construção sensível em episódios de sua infância e adolescência. Bianca Cruz é estudante, uma das melhores alunas de sua turma. Ela ama ler, já pensou em fugir, em escapar de mundos que a sufocam por ambicionar amor. Escrever e cruzar planetas, atravessar outras vidas, através de sua poesia que amor, medo e rebeldia que se derramam e inundam onde quer que ela vá. Estas mulheres areienses experimentaram os doces, os caldos, a rapadura e o fel, que somente Areia pode oferecer à letra de dos poetas. — Tays Melo Poeta e escritora Sonia Souza Bianca Cruz Sítio Velho Por Sonia Souza Sobre o lugar onde nasci e me criei ou fui criada, as primeiras lembranças são do barro e da lama. O capim molhado e a casa da minha avó que sempre tinha fumaça saindo pela chaminé, e um cheiro gostoso de café. Corríamos pelos terreiros, pois brincadeira não faltava, e vez enquanto uma busca nas jaqueiras, cajueiros, laranjeiras, mangueiras e tantas outras árvores frutíferas. Meia dúzia de cachorros magros nos seguia. O tempo foi passando rápido e a chaminé da minha avó já não fumaçava. Éramos adolescentes em busca de novas aventuras e entretenimentos, como dançar sobre as folhas de eucaliptos nas latadas improvisadas, logo depois dos ritos religiosos como as entregas do cruzeiro de São João, da Queimação de Flores no mês maio, em homenagem a nossa Senhora.Passei anos longe, mas voltei. Agora, tem muito mais casas. Já não são as mesmas. Alguns partiram para sempre. A alegria agora é mais contida. Das melhores farras, lembro das farinhadas madrugadas a dentro, muita fofoca, risadas. Café e milho assado pra o lanche, beiju feito debaixo da farinha. As manhãs de sábado eram movimentadas nessas estradas, o colorido de pessoas que iam rumo à feira na cidade, a pé ou nos burros que levavam o fruto do trabalho nos roçados. Eram tempos difíceis, mas ninguém desanimava. Eram longas as caminhadas a pé e o intervalo entre uma refeição e outra. Pela vizinhança havia majestosos engenhos, onde era certo ganhar umas rapaduras e caldo de cana. De tudo isso, hoje só restam as boas lembranças e algumas taperas. Os burrinhos foram substituídos por carros e motos, e quanto aos roçados e farinhadas, foram igualmente esquecidos. Assim também aconteceu com os forrós em latada, cheirando a eucalipto. Estas coisas todas parecem não ter mais graça. Depois da tecnologia chegar por aqui, um celular com internet parece ter superado todo e qualquer outro tipo de interação social. Os costumes são outros. Apenas o barro e a lama são os mesmos. Poesia Por Bianca Cruz Mais uma vez quero arrancar meu coraçãoCom minhas mãosQuebrar meu externoCom meus dedosExpurgar de minhas artérias este órgão imprestávelPara quê serve o coração, afinal,Senão para errar em decisão?E se quebrar em centenas de pedaçosQue terei de recolher contra minha vontade.Remontá-lo do início ao fimSó para que erre de novo.Levando a este ciclo sem fim.Meu coração não tem pena de mim.Por que então deveria ter pena dele?Vou destruí-lo sem dó nem piedade.Só espero não entrar no meu caminhoDurante o extermínioTalvez seja ele que esteja tentando exterminar a mimManipulando-me em afinsde se redimir por seus errosque não passam de meus erros. A AfetoAreiaContoLeituraMemóriaParaíbaPoesia