Mainá | Livro de Karina Buhr


Texto de Toinho Castro

Quem dera, de vez em quando, nesses dias céleres, um livro como Mainá (Todavia, 2022), da Karina Buhr, pra ler e se alentar da literatura. Tem livros que te abrem a porta para mundos, e tem livros que atuam no mundo ao seu redor. Mainá é do segundo tipo. Uma espécie de lente de realidade aumentada, que torce o tecido do tempo-espaço e te reapresenta as dimensões da vida sob uma ótica muito, muito particular, em letras que pouco vejo por aí. Não é literatura de oficina. Karina não repete nem se repete. Há uma originalidade que dá vontade de ter escrito o livro. Tem um pertencimento envolvido. Uma sensação, na verdade, de ter escrito, de ter sonhado tudo isso. Porque o leitor é quem escreve o livro enquanto ele acontece. Enquanto viram as páginas, enquanto o fim não chega. E o fim de um livro, sobretudo um livro como Mainá, pode nunca chegar.

Ler a primeira página foi uma grande alegria, por ser o reencontro com a percepção mágica da leitura. Fui surpreendido, tornei-me um encantado. E enquanto escrevo essas linhas, ainda estou a ler Mainá, porque quero que perdure. Quero habitar por mais um tempo esse olhar curioso que percorre o livro. Um livro para retornar, para reler e rearranjar as linhas, letra por letra. Porque em Mainá não se pode perder sinal algum na leitura. Os mínimos elementos, os átomos das palavras, tem significado. É como atravessar um riacho por um caminho de pedras, em que você não pode deixar de pisar numa pedra. Tudo é preciso, tudo é necessário, tudo te leva à próxima pedra a pisar. E tudo, ao mesmo tempo, é o riacho, que não cessa.

Sim, não terminei ainda Mainá, mas já amo. Amei na primeira página. Amei que a primeira palavra do livro seja jardim. Amei, já no primeiro capítulo, ter encontrado a palavra trancelim. Que achado auspicioso! Já capturado pelo trancelim, não podia mais parar de ler, ainda que ler e ler me levasse ao fim. Não é assim a vida?


Do que escrevi no Instagram quando comprei o livro. Vale o registro aqui

Rio de Janeiro, 24 de março de 2023

Naquele circuito Recife/Olinda do fim dos anos 80 para os anos 90, um grupo relativamente pequeno de pessoas perambulava mais ou menos pelas mesmas quebradas, pelas mesmas ruas e pontes.

Eu estava por ali e a Karina também. Partilhávamos, certamente, da amizade de muitas pessoas em comum, mas nunca fomos apresentados. Nunca fomos amigos ou mesmo nos falamos. Mas eu volta e meia a via, na contramão de uma ladeira, num bar.

Eventualmente, de tanto esbarrar (nem tanto assim. Modo de dizer) , nos cumprimentávamos brevemente com um aceno ou um rápido sorriso mútuo. Ela não vai lembrar disso, claro.

Hoje tô com o livro dela nas mãos pra ler. Que bom, né?! Mais uma vez esbarro com ela, em forma de palavras. E longe demais do Recife ou de Olinda.