Antonio Bivar e os Verdes vales do fim do mundo Revista Kuruma'tá, 3 de julho de 202322 de novembro de 2024 Texto de Toinho Castro Gente, que livro maravilhoso de ler é o Verdes vales do fim do mundo, do dramaturgo Antonio Bivar! E não, não se trata de uma peça, mas um registro em prosa da temporada de Bivar, numa espécie de auto exílio na Londres dos Seventies, por um ano e uma semana, de 1970 a 1971, no que o autor classificou como o ano mais feliz da minha vida desde os 15 anos de idade. O livro foi publicado pela primeira vez na primavera de 1984, pela LP&M, na incrível coleção Olho da rua. Foi mais ou menos nessa época que li o livro, movido por outros tantos livros que falavam da contracultura e temas afins. Uma viagem ao velho mundo, como aquela que empreendera Bivar, era tudo que eu sonhava. Mas nasci meio tarde pra isso. Aquele mundo da psicodelia, da Paz e do Amor, das grandes bandas e grandes shows, de Janis e Hendrix, estava se transformando num outro mundo. O mundo que eu habitaria. Verdes vales do fim do mundo nos carrega com Bivar pelas ruas de Londres, Salisbury, Ilha de Wight, Picadilly, Stonehenge e outros tantos nomes que encantam nosso imaginário desde a velha GRã-Bretanha. São apartamentos, pensões, hotéis baratos, festas, celebridades. São encontros, afetos, dúvidas e anseios. E aquele olhar terno, saudoso, preocupado com o Brasil. Pelas páginas do livro passam tantas figuras, anônimas e famosas, que é impossível não ficar fascinado pela diversidade humana que desfila diante dos nossos olhos. Lá estão Caetano e Gil, também no exílio forçado pela ditadura que sangrava o Brasil, Antonio Abujamra, o também dramaturgo José Vicente (E que linda a amizade desses dois…), e Rory, Naná,Jody, Caroline… Pessoas se esbarrando no mundo. Encruzilhada (Exu no comando!) de muitas vidas, muitos caminhos e descaminhos e alentos. Depois que passou todo mundo, comecei a refletir sobre o sentido exato da palavra solidão. Olhei para um relógio de rua e vi que faltavam dois minutos para a meia-noite. Experimentei um bem-estar, uma sensação muito agradável… Não me senti nem um pouco só. Me senti inteiro, livre e em paz. Um livro de liberdades, em que uma prosa e um cotidianos cheios de poesia e descobertas se desenha ao longo da nossa leitura. E tudo que queremos é fazer parte daquele mundo, adentrar os portões de Avalon e encontrar Bivar. Antonio Bivar, Antonio como eu e meu pai, diretor, produtor musical, dramaturgo, roteirista compositor, biógrafo, jornalista, escritor, tradutor e ator. Morreu em 5 de julho de 2020, em decorrência da Covid, aos 81 anos. Que perda enorme. Nas últimas semanas reli Verdes vales (agora numa edição pocket, ainda com o selo da querida LP&M) , depois de mais de 30 anos, e o Antonio Bivar, que encontro nessas páginas, ainda é o Bivar que quero conhecer, com quem quero sentar em algum banco que possa existir no Hyde Park ou num boteco de Ipanema, para conversar e sorrir e falar de quando éramos assim, cheios de tantos sonhos. Que a nossa sorte é que os sonhos não nos abandonam. Pra dizer a ele que são lindas as páginas que ele escreveu. Que são simples e que são lindas, como se deve ser. ANTONIO BIVAR [Foto: Tika Tiritilli / Divulgação] Que pena que Bivar morreu. Quanta gente boa a Covid nos levou. Quanta morte desnecessária. Então, Verdes vales do fim do mundo torna-se um livro necessário, cheio de vida que ele é. Cheio de vida que era Bivar, com um sorriso aberto e belo (vi nas fotos!). Saudade de Bivar sem mesmo conhecê-lo, só porque viveu o que eu quis viver e não deu. E eu estava justamente pensando nisso, que a riqueza da literatura e viver o que quer que seja pelas palavras de outro alguém. Que toda vivência humana é, necessariamente, compartilhada. Li nas páginas de John Cage um dito de Buckminster Fuller: Se um ser humano passa fome, toda raça humana passa fome. Creio que isso vale para tudo. Bivar foi a Londres, viveu o que viveu e vivemos com ele. Obrigado, Antonio Bivar. Que triste você ter morrido tão jovem, aos 81 anos. E como tudo que é bom pode durar mais um pouco, vou agora enveredar pelas páginas de Longe daqui aqui mesmo, espécie de segundo volume das aventuras de Bivar no velho mundo (sem nunca perder o fio de prata com o Brasil!). Publicado em 2006, o livro atende ao anseio de muita gente que ficou órfão na última página de Verdes vales. Ambos os livros tem o preço generoso dos pockets da LP&M e valem a ida a uma livraria ou, ainda melhor, um bom sebo (inclusive na Estante Virtual)! Maria Bethânia em texto de Antonio Bivar, A trapezista do circo, no disco ao vivo Drama 3º ato, de 1973 Crônica Literatura Antonio BivarLiteraturaLivroMemória