Manifesto pela literatura Revista Kuruma'tá, 10 de fevereiro de 202029 de julho de 2020 Texto de Eduardo Maciel Imagem: Eduardo Maciel Sei que estou devendo um texto falando do meu projeto envolvendo o resgate cultural dos sonetos em nossa literatura poética contemporânea, mas não será dessa vez que vou pagar o que devo. Devo e não nego. Pago em quinze dias. No entanto, vou permanecer na canoa da contemporaneidade para falar do que recentemente ocorreu em Rondônia, por iniciativa da Secretaria de Estado da Educação, que ousou implementar oficial e formalmente censura a diversas obras literárias de relevância indiscutível. E isso implica em eu precisar me posicionar sobre dois temas: a censura como instrumento autocrático e como ferramenta letal para a cultura. No campo da autocracia, feita realidade em Rondônia, a censura me enfurece mas não me surpreende. Queiram todos admitir ou não, vivemos tempos bastante sombrios não apenas naquele Estado, mas em todo o Brasil. Estamos acompanhando inertes os atos de tortura à nossa democracia, onde a imprensa é imprensada, onde se permite desmatar florestas, onde se quer armar cidadãos de bem, onde se desrespeita o direito indígena, tão crucial para que se mantenha a base de nossa identidade. Isso sem mencionar cortes em medicamentos para a população doente, sucateamento de seculares instituições de ensino, de desmerecimento das artes e vampirização de seus operários. Estamos acompanhando. E não estamos fazendo nada. O que me leva ao segundo ponto de análise, que é o olhar sobre a censura como veneno para a nossa cultura. Como já mencionei, estamos nós brasileiros nos acostumando (que dado alarmante) com o já mencionado desmerecimento das artes. E como nos permitimos usar de inércia quanto a isso? Como? Por mais que eu tente racionalizar, por mais que eu entenda sobre as tolas teorias a respeito de viradas ideológicas, por mais que eu respeite o poder do voto popular, não consigo aceitar que estamos apenas observando. E talvez essa seja a razão maior desse meu texto, porque não quero pertencer a esse grupo que se cala. Não quero ficar inerte. Não mesmo. E digo isso com a mesma clareza de não estar aqui me posicionando politicamente, porque não sou de esquerda nem de direita, e tampouco acredito na própria República Presidencialista na qual insistimos aqui no Brasil. Mas política é uma coisa. Aceitação de censura, é outra. Ariano Suassuna já disse certa vez que “quem gosta de ler não morre só”. Certíssimo. Mas se por um lado temos gente empenhada em incentivar nos outros o gosto pela leitura, o hábito saudável e edificante do ler, por outro temos o poder público mandando recolher livros por tê-los como ameaça a um plano de governo. Como se a literatura pudesse ser alcançada por qualquer governo. Não pode! Porque literatura é linguagem da arte, e arte é a linguagem da alma. E todo (ou quase todo) ser humano tem alma. E isso independe de qual governo está no poder. Bem, então o que está faltando na população é deixar que suas almas falem, já que seus olhos não se desprendem das polarizações digitais e suas mentes só conseguem pensar com egoísmo. E quando nossas almas falarem, falarão em um só sotaque nos quatro cantos desse imenso país. Deixemos nossas almas livres para falar, e saibamos ouvir a sua voz. Qualquer censura é uma mordaça para a alma, para a cultura, para o que fez de nós o que somos, para nossa memória e história, para nossa identidade, individual e coletiva. Precisamos fazer alguma coisa. Não quero ficar inerte. Não mesmo. E você? A Eduardo MacielLeituraLiteraturaLivroManifesto