Texto de Fábio Fernandes
Na verdade, ele pensa rabiscando a lousa, os dedos e a blusa velha de lã totalmente cobertos de pó de giz, tudo é tão fácil de calcular. Ele só não pode perder o fio da memória, o raciocínio não pode nem por um momento descarrilar do trem do pensamento senão tudo se perde e será como aquela história, aquela anedota infelizmente real do poeta inglês Samuel Taylor Coleridge, que, após ter sonhado com um poema épico inteiro, Kubla Khan, acordou e começou desesperadamente a escrevê-lo – para ser interrompido por uma certa “pessoa de Porlock”, que apareceu de repente em sua residência sem ser convidada e o desconcentrou de tal forma que ele nunca mais conseguiu completar o poema conforme o havia sonhado. Um dos pesadelos do cientista enquanto preenche a lousa com seus cálculos é exatamente esse, e é precisamente por isso, para evitar a entrada de sua pessoa de Porlock que ele se cercou de todos os cuidados possíveis dentro do porão da sua casa a fim de que ninguém o atrapalhe, pois ele está prestes a descobrir o grande e supremo cálculo que há de unificar tudo o que ele sempre suspeitou até agora e descobrir por que o universo se comporta do jeito que se comporta, por que as pessoas são do jeito que são, por que tantos desencontros, por que as relações humanas não podem ser medidas e calculadas como equações matemáticas?
Agora falta pouco, muito pouco. Ele tem certeza de que, no próximo intervalo de sua série de tevê favorita, ele conseguirá retomar o fio da memória e completar o cálculo. Falta pouco.