O número mais perigoso do mundo é retorcer um coração Revista Kuruma'tá, 16 de outubro de 202018 de outubro de 2020 Texto de Eduardo Frota Meu avô era o Homem Mais Forte do Mundo. Quem me contou foi a minha avó, que o conheceu ainda na tenra idade, quando ele fugiu com a cidade deixando pra trás toda a família circense. Dizia ela que os bíceps, tríceps e quadríceps dele já não davam mais conta do exaustivo e intenso intento diário de carregar tudo nas costas. E eram assim, por detrás da coxia, tremendo de frio com os músculos à mostra, que meu avô invocava o choro mais forte do mundo. E este espetáculo, dantesco aos olhos do senhorio, não interessava mais ao público. A vida do casal começou a mudar justamente quando se viram, meu avô e minha avó, pela primeira vez, após o espetáculo dominical. Ele quis a carregar no colo, mas ela não se importou em caminhar pela rua salpicada de orvalho. Depois ele retorceu um cano de aço em forma de coração, como se fosse uma folha de papel, mas ela elogiou o formato perfeito do presente, e não os músculos besuntados de óleo de rícino. Mais tarde ele pediu que ela tocasse em seu peito para ver como era rijo, como era definido. Só que ela colou o ouvido nele apenas para deleitar-se com todo e qualquer batimento cardíaco. E assim, deitaram-se pela primeira vez. Naquela noite, o meu avô, ainda o Homem Mais Forte do Mundo, não se aguentou e chorou na frente da minha avó, porque era incontrolável a vontade de abraçá-la para impedir que ela fugisse e ele ficasse só. Exatamente como ele fazia com um gigantesco urso durante um de seus números mais perigosos. No entanto, tinha receio de machucá-la. E por conta de toda aquela quantidade de lágrima, ela ofereceu o seio como morada doce e quente. Ele simplesmente encostou ali a parte mais leve de seu corpo naquele momento, a cabeça. E assim, fizeram amor pela primeira vez. Desde então, meu avô procura emprego em um circo que o aceite como o verdadeiro artista virtuoso que é: o Homem Mais Sortudo do Mundo. A ContoEduardo FrotaFicçãoLeituraLiteraturaProsa poética