“Para quem insiste em sonhar” — A poesia de Maria Clara Parente Revista Kuruma'tá, 30 de junho de 202130 de junho de 2021 Texto de Toinho Castro Duas palavras que eu gosto na língua portuguesa, essa nossa língua. Um delas é réstea. A outra é fresta. São palavras que estão ligadas… normalmente, é através de uma fresta que vaza a luz numa réstea, numa réstea de sol. A fresta, então, é uma passagem. Mas há algo que, nela, no seu entre, resta. Algo que não chegou a este lado e não está mais do lado de lá . Algo obscuro, apenas percebido.. Algo de nós, ou de além. Recebi, da poeta Maria Clara Parente, o seu livro nas frestas das fendas. Na dedicatória ela me escreveu: esse livro é uma forma que encontrei de olhar nas frestas (7Letras, 2020). Perdão, Maria Clara, pela indiscrição, ao revelar aqui parte de uma dedicatória. Mas quando a li, a dedicatória, eu a recebi como um convite a perceber as frestas, essas fissuras que estão, afinal, em toda parte, do mundo e de nós. E achei fantástico esse convite, não para atravessá-las, como a luz, o sopro, não para espiar o outro lado, mas para olhar bem pra elas, reparar no que ali se acumula, no que ali germina. Viro a página da dedicatória e adentro esse território que Maria Clara nos oferece com sua poesia. As pessoas costumam muito relacionar o romance literário, o conto, a prosa em geral, à ideia de criação de mundos. Talvez o fato de ter cenários, narrativas, personagens… talvez isso estimule esse pensamento. Mas a poesia é criadora de mundos também. E é um mundo inteiro que encontramos nesse tecido de palavras, de tudo que se agarrou na passagem das fendas, das fissuras. A poeta anda pelo mundo, passa por Altamira, Berlin, Cartagena; placas tectônicas, cartografias ilusórias, sonhos… mas o tempo inteiro (O que é mesmo o tempo?) a poeta se move dentro de si. Toda poesia é essa viagem pra dentro, desses encontros dispersos, das luminosidades que escapam. O íntimo, não revelado, mas percebido. Leio cada poema sem definir a leitura, apenas me surpreendendo e encantado com a precisão dos versos, às vezes contra a imprecisão da vida, às vezes de mãos dadas com ela. o ser humano é a fresta, por onde tudo passa. E é em nós que fica um pouco de quase tudo. O poema é o espaço dessa transição entre mundos, filtrando, interpretando e propondo o que talvez seja um modo de transcender essa existência nas fendas das frestas. A você que me lê, sugiro com alegria a leitura desse livro de Maria Clara Parente. Não poderia estrear nas estantes com mais pertinência, essa poeta. A experiência poética é sempre rica, pois nos desloca do óbvio, desse mundo que se impõe como narrativa única, onipresente, e nos deriva por ventos e correntes inesperadas. A poesia desse livro, essa poesia sensível ao mais humanos em nós, ao humano do amor, da dúvida, da busca permanente e do olhar que não evita esse outro, agarrado às frestas da nossa condição. Sem categoria PoesiaPoesia brasileira