Texto de Eduardo Frota
Acendeu uma vela, mas não era reza.
Acordou já em meio ao blecaute, desses em que o silêncio parece entrar no ringue para empreender um barulhento nocaute. Precisou ir ao banheiro para checar a sanidade. Olhou-se no espelho feito uma santidade, iluminado apenas pela chama. Chamou seus fantasmas, conjurou seus demônios, deixou com que eles abrissem suas asas escarlates.
A vela, ele a acendeu para ela.
A criança, aquela. Quando começou a envelhecer, a perceber que crescia em meio a essa disritmia, sabia que seria assim. Passaria a vislumbrar a inconsequência juvenil como única saída diante da ordinarice ao redor. Ou melhor, alimentaria descontroladamente a criança enfastiada e farta que, ele sentia, ainda resistia.
Queimou o dedo indicador.
Não sentiu o ardor da cera. Apenas uma coceira que não foi forte o suficiente para estancar a torrente. Não foi por falta de aviso – falavam sobre isso desde a época em que ainda tinha na boca todos os seus cariados quatro sisos. Os mais velhos sempre alertaram sobre o fato de que é preciso assumir riscos para amadurecer.
O vento tremeluziu o filete de fumaça.
Ele brincava com fogo antes de dormir todas as noites, imaginando controlar a chama, mesmo sendo lembrado de que isso poderia resultar em uma vexaminosa mancha de xixi na cama. Com o passar do tempo, distanciou-se das ideologias iconoclastas. Virou um mero delinquente diletante, mas manteve sua inseparável companheira, a caixa de fósforos, acomodada no canto da estante.
Não há reza e a vela finda.
O tempo passou, mas aquela criança ainda está lá, pirólatra. Pior, pirofágica. Pior, pirófila. Pior, piromaníaca.
Pior, em busca de companhia.
Muito bom!!!!!
Tremeluzo em cada palavra desse incrível escritor!