A poesia de outono azul a sul

Poemas de Calí Boreaz


O que a gente quer, sem dúvida, é que a Revista Kuruma’tá seja cada vez mais uma casa de poesia, que acolhe e espalha versos e poetas. E é assim, com essa afirmação necessária, que dou boas vindas a poeta Calí Boreaz, com sua poesia atravessada de moderno lirismo…

escrevo como quem se abrevia
às coisas:
vou ali e já volto
só uma saidinha
pra arejar, ar

Vou e volto e vou de novo à sua poética, ponte sobre atlânticos, entre pátrias, mátrias, luminosidades. E aqui compartilhamos com você, desses poemas, cinco desses mundos, que evocam muitos olhares e muitas vozes. seja bem-vinda, Calí Boreaz, ao fundo de rio da Kuruma’tá…


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dedicatória

vai ficando tarde
tardo. estou abotoando
minha coragem
mudei de casa, de estação
mas de saudade não, não mudei
bem tentei, nos classificados nos bondes
mas teu olho esquerdo é tão
diferente do teu olho direito
ninguém mais desobediente
do que o confuso de peito
está ficando tarde. ok.
tenta apreciar o manuseio de horizontes
o plantio de um novo planeta
ainda intermitente
antes, te dedico a leve chuva
que rodeia os templos


toda varanda quer ser um navio

escrevo como quem se abrevia
às coisas:
vou ali e já volto
só uma saidinha
pra arejar, ar

no dia em que sumi no mundo
(nasci de parto mortal e mais
ninguém me viu)
ali comecei discreta a construir uma varanda
no planeta

abenluada
solidão

repente
a varanda do planeta
ficou escuramente maior

maior que o próprio planeta
não cabe na solidão
nem mesmo nestas
palavras verticais com que vou
vasculhando
oxigênio enquanto
empurro com todas
as fraquezas o portão
de parto que ainda me aparta
dos olhos que me escrevendo
me expandiram

abensomada
ausência

dia destes ainda sou capaz de zarpar, ar

com eles
numa distração do silêncio
na varanda desarvorada
enfim feita navio


o passeio

passeio:
passou enquanto eu passava.
tudo passa, mesmo que não dê um passo
                                                  fica pacificado

é isto: ex-isto.


#dia24 | feliz aniversário

esta noite a Terra
demorará um segundo a mais
a dar a volta sobre si mesma
o pulmão da Terra
entregará um grama mais
de ar aos terráqueos
a água da Terra
adentrará em um milímetro
a incandescência
as falhas geológicas todas
causarão tremores
imperceptíveis
os genomas humanos
nascerão noutra ordem
durante toda a madrugada
e muito mais gente do que o normal
estará escutando Beethoven
ou Caetano
com aroma de café
ou chá de laranjeira
com os pés virados para as estrelas
em redes floridas
e eu só botei esse batom vermelho
pra marcar de beijo a lua
pra você ver
onde quer que você esteja


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Calí Boreaz nasceu em Portugal, onde estudou Direito, em Lisboa, em meio às noites de fado e flamenco. Viveu em Bucareste, na Romênia, onde estudou língua e literatura romena e tradução literária. No virar de 2009 para 2010, atravessa o Atlântico rumo ao sul para viver no Rio de Janeiro, onde se entrega ao estudo e ao ofício do teatro. Na literatura, traduziu do romeno os romances O regresso do hooligan [ed. ASA, Portugal], de Norman Manea, e Lisboa para sempre [ed. Thesaurus, Brasil], de Mihai Zamfir. Seu livro de estreia, outono azul a sul [ed. Urutau, Portugal & Brasil], é um relato poético do exílio e da clandestinidade, e tem posfácio de João Almino e desenhos de Edgar Duvivier e António Martins-Ferreira. Integra também a coleção Identidade vol. II da Amazon Kindle com o conto islandeses. Seus textos têm aparecido também em várias revistas literárias brasileiras, portuguesas e galegas, e em exposições como a Bienal Internacional de Arte de Gaia 2019, em Portugal, e o Hyderabad Literary Festival 2019, na Índia.