Ter lido Lucila Nogueira

Texto de Toinho Castro


Almenara é um termo que designa estrutura vertical projectada pelo homem, intencionalmente visível como sinal de aviso para toda uma província inteira, costa, castelo, etc. Nessa torre era aceso um facho para dar sinal a longas distâncias. Do árabe al-manara, o termo é comummente empregue para designar as torres de mesquitas (Alcorana, Almádena, Minar, Minarete). Consistia numa torre de vigilância, localizada numa muralha ou numa zona geográfica elevada, que servia como um sistema de comunicação a longas distâncias, normalmente construídos nos merlões das torres ou num lugar alto de um castelo. (Wikipédia)

Almenara é, também, o primeiro livro de Lucila Nogueira, poeta nascida no Rio de Janeiro e radicada no Recife. Agraciado com o Prêmio Manuel Bandeira de poesia em 1978, foi editado no ano seguinte pela Civilização Brasileira, num pequeno e belo volume com capa do brilhante Eugênio Hirsch.

Como todo bom livro este me chegou pelas mãos de amigos, não recordo exatamente como. Devia ser o ano de 1984 ou 85. Não tinha 10 anos que havia sido lançado. Recordo também de tê-lo visto nas prateleiras da saudosa Livro 7, que por muitos anos ostentou o título de maior livraria do Brasil. Era um livro pequeno, não tanto maior que a palma da mão. dentro dele, entretanto, cabia um universo muito amplo e peculiar da poesia de Lucila; um universo cujas raias percorri com certo fervor, típico da juventude. Elegi Lucila facilmente como minha poeta preferida. Naquela época poetas preferidos iam e vinham, a cada nova descoberta. Não sei quanto tempo durou seu reinado de rainha especular, mística e arisca.

Na sua poesia li palavras pela primeira vez ou saboreei palavras inesperadas… campânulas, vergônteas, cariátide! Enveredei por mares, corredores e penumbras. Seus versos parecem rios de tão fluidos e volumosos, metafísicos e cheios de um sentido humano e, sobretudo, feminino. Voz de mulher, iluminando o cenário de um rapaz vagando por um Recife encantado de passado e também, por isso mesmo, opressivo. Num mundo de Manual Bandeira, João Cabral, Francisco Brennand, tantos homens, a voz de Lucila expandia horizontes e encurralava o machismo tradicional que tudo permeia. Ouvi-la foi encorajador no sentido de buscar ser outro.



Lucila Nogueira nasceu em março de 1950, 70 anos no ano que vem. Morreu há pouco, em dezembro de 2016. Escreveu mais de 20 livros que eu gostaria muito de ver as livrarias. Ela recebeu prêmios, foi homenageada e reconhecida por seus pares ainda em vida, teve sua obra traduzida, encarnou certa tradição poética e libertária pernambucana e participou ativamente da vida cultural do Recife. estranhamente seu nome não faz parte do Circuito da Poesia da cidade do Recife, uma iniciativa pública da prefeitura para divulgar e celebrar os poetas da cidade. A única mulher que consta do Circuito é Clarice Lispector, que não era poeta e viveu a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro. sua estátua orna a Praça Maciel Pinheiro, junto a qual a escritora viveu quando criança.

Quando viajo ao Recife, tento resgatar aquela cidade em que conheci a poesia de Lucila Nogueira. Ando pelas ruas do centro esbarrando na casa de Manuel Bandeira, no Capibaribe que João Cabral de Melo Neto eternizou no Cão sem plumas, em busca das cariátides, dos templos e dos véus. Espero anoitecer, aguardando que brilhe no alto da almenara uma chama que me guie.

Lucila Nogueira em Estocolmo – Fonte: Wikipédia

Aproveite a presença ténue de Lucila e leia sua entrevista para a Suplemento Pernambuco, em 2009: LUCILA NOGUEIRA: CONFISSÕES NUMA PISTA DE DANÇA VAZIA