Canudos é aqui Revista Kuruma'tá, 16 de junho de 201925 de outubro de 2019 Texto de Nonato Gurgel Quem sou eu para ficar ao lado de Euclides da Cunha, Camões ou Montaigne?— Jorge Luis Borges Para Nilson Gurgel Canudos não para. ‘Troia de Taipa’, ‘Monstruoso anfiteatro’ ou ‘Nossa Vendeia’, desde a guerra no sertão baiano, há 122 anos, Canudos não sai do imaginário cultural brasileiro. Canudos é o título da palestra da ensaísta Walnice Nogueira Galvão que vai abrir a Flip de Paraty, em Julho, cujos ingressos esgotaram-se 15 minutos após o anuncio virtual. Em sintonia com a festa que celebra a nossa literatura, algumas vitrines cariocas exibem diferentes edições de Os Sertões, além de livros que interpretam a obra prima de Euclides da Cunha, o escritor homenageado da Flip 2019. Um desses livros é A terra, o Homem, a Luta, do ensaísta Roberto Ventura (1960-2002). Quem já leu algum texto do Roberto sabe que os seus escritos de linguagem concisa possuem uma tonalidade meio literária que parece seduzir o leitor. Fruto de produtivo diálogo com a tradição literária e crítica, é como se o texto do Ventura condensasse em si muito do que foi dito sobre Os Sertões durante mais de um século, refazendo diferentes leituras literárias, científicas, históricas e religiosas em torno do ‘livro vingador’. Outro texto do Roberto compõe a seleta fortuna crítica de 14 ensaístas, recortada por Walnice Nogueira em sua edição crítica de Os Sertões. Roberto Ventura lê Euclides da Cunha A nova edição do livro A terra, o Homem, a Luta traz um belo prefácio do escritor Milton Hatoum, que linka Euclides da Cunha e Os Sertões ao escritor argentino Domingos Sarmiento, autor de Civilizacion y Barbarie. Acho que o escritor Jorge Luís Borges também faz esse link, sugerindo que o duelo entre civilização e barbárie fundamenta essas duas obras colossais da literatura latino-americana. Uma das epígrafes do livro do Roberto é retirada de uma carta euclidiana, e diz muito das conexões entre literatura e vida na Belle Époque carioca: ‘Escrevo, como fumo, por vício.’ Euclides acunha logo no início do livro, quando num discurso no IHGB compara-se a um ‘grego antigo transviado nas ruas de Bizâncio’. É o mesmo homem que se autocognominou ‘Misto de celta, detapuia e grego’. Bom mesmo é curtir a leitura mista que Roberto faz de Os Sertões, da guerra de Canudos e os pontos de identificação entre António Conselheiro e Euclides da Cunha. Roberto relê o cânone estético e cultural de Euclides e sua vida trágica, apontando, sem acusação, os erros, as contradições e os vários acertos do autor fluminense que estaria hoje no MST, segundo sua leitora mais autorizada: Walnice Nogueira Galvão. Dentre os erros euclidianos, creio que chamar de louco e analfabeto o ascético e querido Conselheiro, talvez seja o maior. António foi professor. Dentre os vários acertos, gosto dele imaginar o sertanejo como a confluência do índio com o bandeirante paulista; assim como gosto do consórcio que ele inventa entre arte, cultura, história e filosofia. Essa mistura, essa hibridez potencializa a polifonia deste livro que não para de perguntar e de dizer, para cada geração, o que é o Brasil. A Antonio ConselheiroBahiaCanudosEuclides da CunhaLeituraLiteraturaLivroNonato GurgelRoberto VenturaSertões