Texto de Jorge LZ / Programa na Ponta da Agulha
O primeiro álbum de Gal Costa completa 50 anos. Ela já tinha lançado, em 1967, o disco Domingo, mas esse era um LP dividido com Caetano Veloso. O “disco das plumas”, como ficou conhecido, foi gravado em 1968, mas lançado em 1969 e foi um impacto na minha cabeça de criança.
Minha relação com os discos começou muito cedo… não saberia dizer qual foi o primeiro que botei para girar na rádio vitrola Telefunken, que tínhamos em casa, mas lembro de ver várias vezes meu pai chegando do trabalho com um envelope debaixo do braço, do qual brotavam alguns discos… desde os compactos coloridos, que traziam historinhas infantis, até os long plays com as músicas que ele gostava de ouvir… Elis Regina, Sinatra, Tom Jobim, Jorge Ben, Beatles, Chico Buarque, Glenn Miller, Roberto Carlos, Nat King Cole… e por aí vai… para ele não importava muito o estilo, o negócio era a música ser boa, como costumava dizer. Essa foi uma das maiores heranças que recebi do velho Jorge: a capacidade de ter os ouvidos abertos para o mundo da música e para a música do mundo.
Eu tinha entre quatro anos de idade, quando uma noite meu pai chegou em casa, no dia de seu aniversário, com um de seus envelopes de discos… como sempre, corri para ver o que tinha ali e, entre eles, estava um que trazia na capa uma mulher de perfil e com plumas em volta do pescoço. Pedi para ouvir e já nos primeiros sons fiquei curioso… não conseguia identificar o que era aquilo, mas me remetia ao espaço sideral, coisa muito em voga no final dos anos 1960 por conta da conquista do espaço e da iminente chegada do homem na Lua… a partir daí entrava um órgão que tocava bem uma introdução bem comum na Jovem Guarda até a chegada de uma voz maravilhosa, que entoava “eu vou fazer uma canção pra ela, uma canção singela, brasileira, para lançar depois do carnaval…”… isso embalado por uma arranjo de cordas do maestro Rogério Duprat… a música é um verdadeiro achado e traz elementos românticos e psicodélicos, como um encontro de Roberto Carlos com Os Mutantes.
Gal Costa (1969) é uma obra importantíssima na história do tropicalismo e também da música popular brasileira. O disco deveria ser lançado em 1968, mas com a prisão de Caetano Veloso e Gilberto, a gravadora optou por segurar o disco e lançá-lo em um momento mais oportuno. Quando lançado, o disco trouxe uma nova oxigenação para o movimento, mesmo com suas principais vozes caladas pela ditadura militar. Gal acabou sendo nesse momento difícil a voz do tropicalismo e o fez com maestria. Essa obra prima reúne músicas brilhantes de compositores ligados ou não à Tropicália, que viraram clássicos do cancioneiro popular. É o caso da já citada “Não identificado”, de Caetano Veloso, “Saudosismo” e “Baby”, ambas de Caetano Veloso, “Divino, maravilhoso”, parceria de Caetano e Gilberto Gil, e “Que pena (ele já não gosta mais de mim)”, de Jorge Ben (sem Jor).
Passeando pelo repertório, depois da abertura, temos “Sebastiana”, de Rossil Cavalcanti, um forró divertidíssimo, que já havia sido gravado antes (com destaque para as versões de Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga), ganhou uma roupagem roqueira e psicodélica, com participação de Gilberto Gil na guitarra e no vocal; “Lost in paradise”, de Caetano Veloso, é uma música bastante sofisticada e uma das primeiras letras do Caetano em inglês; “Namorinho de portão”, quase uma Jovem Guarda, de Tom Zé, que mais tarde ganharia uma versão do grupo Penélope, que reunia Erika Martins e Luisão Pereira, novamente com Gil na guitarra e na voz; “Saudosismo”, de Caetano Veloso, bela homenagem à Bossa Nova… um reconhecimento à revolução musical proposta por João Gilberto; “Se você pensa”, de Roberto e Erasmo Carlos, em uma versão melhor e mais poderosa que a original, encharcada de Soul e R&B; “Vou recomeçar”, novamente de Roberto e Erasmo… essa faixa é uma Jovem Guarda embalada em psicodelia; “Divino, maravilhoso”, de Caetano e Gilberto Gil, uma canção de protesto nada óbvia, mas que vai direto ao ponto e faz um chamado para a resistência; “Que pena (ele já não gosta mais de mim)”, samba-rock de Jorge Ben, que conta com Caetano no vocal e um violão não creditado a Jorge Ben, mas que dificilmente não foi tocado por ele; “Baby”, de Caetano Veloso, única música que não foi gravada para o disco, já que essa gravação é a mesma que entrou no disco “Tropicália – Panis et Circensis”, lançado no ano anterior; “A coisa mais linda que existe”, de Gilberto Gil e Torquato Neto, uma balada alegre e romântica, que retrata a juventude da época, que se encontrava em “festa e comício”; e, finalizando o disco, “Deus é amor”, um quase gospel de Jorge Ben.
A direção de produção do disco é de Manuel Berenbein, Rogério Duprat foi o responsável pela direção musical e assinou arranjos com Gilberto Gil e Lanny Gordin.
Em seu primeiro álbum, Gal Costa conquistou um lugar de destaque na música popular brasileira em um momento delicado, do ponto de vista político, e especial, do ponto de vista musical. O disco segue até hoje bastante atual e, para muitos (inclusive eu), segue como o melhor disco de Gal Costa.
Na ponta da agulha é um site parceiro do Kuruma’tá! Jorge LZ produz e apresenta o programa na Ponta da Agulha, na Rádio Graviola. Confira: napontadaagulha.ml
Otimo texto ! tb considero uma pérola esse disco da Baby Gal que me acompanha ha 54 anos ! queria saber dos excelentes musicos : baixo, flauta e percussão, lamentavelmente não creditados na capa além de Gil e Lanny Gordin. Saudações !
Otimo texto ! tb considero uma pérola esse disco da Baby Gal que me acompanha ha 54 anos ! queria saber dos excelentes musicos : baixo, flauta e percussão, lamentavelmente não creditados na capa além de Gil e Lanny Gordin. Saudações !