Texto de Toinho Castro
Quando foi a última vez que assistimos um bom jogo? Quando foi a última vez que subimos à superfície e andamos pelas galerias do estádio? Na minha gaveta ficam jogadas algumas fotos que registram nossa alegria, minha, do Jamerson e do Jadeir, assistindo a uma partida de futebol. Hoje caminhamos pelos corredores escuros onde piscam luzes intermitentes, vermelhas, amarelas… caminhamos e mal esbarramos em alguém. Ouvimos ecos da torcida logo acima, que nos ignora. Sentimos um certo arrepio por sabermos, intuitivamente, que a bola raspou a trave, que noventa minutos ainda não definiram um jogo.
Outro dia flagrei Johnson, o filho de John, com a orelha pressionada contra uma parede, tenso, tentando escutar o desenrolar, segundo ele, de um jogo da seleção brasileira, que se propagava em ondas, aparentemente desde a superfície até aquele ponto exato. — Contra quem? — Perguntei.
— Não sei, mas estamos perdendo. — De repente ele olhou para mim e completou:
— Tem três dias que tô acompanhando esse jogo.
Então ele me explicou que percebeu variações inexplicáveis em certos gráficos durante os bombardeios regulares no núcleo do Maracatron. Mapeando o complexo em busca de distorções de realidade, encontrou alguns pontos de reverberação de onde emanavam sons que provinham da superfície, do estádio, através de caminhos tortuosos pelos dutos e paredes, chegando apenas a esses pontos milimétricos da estrutura ao nosso redor. Nesses pontos, com estetoscópios, ou com o rudimentar método de colar a orelha contra a parede, podia-se escutar o desenrolar da tal partida, entre o Brasil e uma seleção desconhecida. Esse looping dimensional já durava três dias, até onde podíamos saber.
Deixei Johnson monitorando o jogo e saí a procura do Jadeir, aquele cínico. Acabei por encontrá-lo no controle central, debruçado sobre os monitores, atento aos gráficos e números que se multiplicavam nas telas, em busca das coordenadas específicas que irradiavam aquele jogo bizarro.
— Pelo visto não fui o único a encontrar o Johnson…
— E você acha mesmo que eu precisaria encontrar com Johnson para saber que algo está fora do lugar?
— O que será que tem por trás desse jogo?
— O de sempre… o estagiário de sempre bombardeou a partícula errada de sempre com outra partícula errada e agora deve estar tomando café no 5º subsolo. Como sempre. Filho sabe-se lá de quem… Se você quiser destruir o mundo, basta alocar um estagiário no lugar certo, fazendo a coisa errada.
— Como vamos sair dessa? onde a gente acha esse estagiário?
— Quem disse que ele arrumou um estágio aqui? — Respondeu Jadeir, como sempre, ignorando minha pergunta e criando ainda mais dúvidas na minha cabeça. Enigmático, maldito enigmático. Onde ele queria chegar?
— E agora… o que vamos fazer?! — Insisti.
— Temos que descobrir qual é o outro time e utilizar esse dado no reversor fatorial de nêutrons. Talvez assim a gente consiga anular o looping e acabar com esse jogo.
— Mas a gente tá perdendo, Jadeir. Esse jogo não pode acabar agora.
— Volte para a sua cela!
— Jadeir, a gente não vive em celas aqui… mas em alojamentos.
— Chame como quiser… olha, vou dar uma chance pros palhaços. Se esse jogo já dura três dias, a gente pode deixar rolar mais um pouco. Não creio que vá fazer mal maior do que já foi feito à tecitura do que quer que seja.
De repente escutamos a voz de Johnson ecoando pelos corredores e salas:
— Levamos mais um!
Jadeir correu desesperado para pegar o reversor fatorial de nêutrons e executou cálculos complexos que eu jamais esperaria ele que conhecesse. Foi como se a minha mãe começasse a falar aramaico de uma hora pra outra.
— Vamos acabar com esse merda agora! Aposto que é a Argentina!
Jogou o Argentina codificado e anagramatizado no reversor, que emitiu sinais e ruídos típicos de um reversor fatorial de nêutrons. Por fim um apito pareceu soar dentro da minha cabeça. Caí ajoelhado…
— É o apito final… o apito final. — murmurou Jadeir.