Texto de Toinho Castro
Eu sei que é junho, o doido e gris seteiro
Com seu capuz escuro e bolorento
— Geraldo Valença
No dia seguinte podíamos ver na frente de casa a fogueira reduzida às cinzas e brasas esparsas, ainda acesas à luz da manhã. A cinza das horas, talvez. Da noite anterior o cheiro do milho persiste, mais na memória que no ar, ou na língua. O último dia de Junho ia assim se esvaindo, como as próprias fogueiras que ao longo do mês enfeitaram a rua e aqueceram histórias e conversas. Lembro de, menino, ficar observando o crepitar da lenha, a incontinência meio selvagem do fogo e as fagulhas, ao revirar-se as brasas para assar o milho, a subir no ar quente, como mínimos balões, traçando caminhos randômicos até cessarem, desaparecerem, como quase tudo, ou tudo, diria minha mãe, desaparece. Fim de junho, fim de um mês inteiro de ansiedade pelas noites frias e estampidos da bombas e rojões reservados aos adultos, ou aos jovens afoitos.
Recordo uma noite em que rodávamos, eu e uns amigos, de carro pelo Recife, noite de Junho claro. Éramos já universitários, indo de um bar para outro, na zona norte da cidade, e percebíamos, sem comentar uns com os outros, uma neblina fina que cobria tudo. Seguíamos em silêncio mas algo pedia para ser dito, então um de nós, não lembro quem, falou: É São João. Até hoje não sei se ele se referia à época em que estávamos ou se mesmo ao santo, que naquela neblina se manifestava entre nós. Era pois a fumaça das fogueiras, que ali por onde passávamos não víamos sinal delas. Apenas a fumaça fina, como uma friagem a emoldurar a noite. Talvez a fumaça de fogueiras pretéritas, há muito apagas, como um espírito, um ectoplasma . E nos era dado ver porque havíamos bebido, porque estávamos em silêncio e possivelmente sem rumo. Era São João… murmuro ainda hoje.
Lá vem Julho. São Pedro, o último da trindade junina a se manifestar, já cerrou as portas do seu dia, e colocou a chave na gaveta, ao lado da cama em que dorme São João. Santo Antonio, debruçado na janela, olha para o céu uma última vez antes de fechá-la. Julho acompanha Junho, sobre o tapete das brasas adormecidas, até o sorvedouro onde, por fim, o fio do seu último dia escoará. Silêncio na rua Pampulha, silêncio na Imbiribeira. Todos dormem enquanto Junho se vai. Todos em suas casas, em suas camas, como São João. Todos dormindo, profundamente.
Nostalgias dos junhos do Recife
E a fumaça impregnada no s cabelos e nas roupas, por um tempinho insiste!