Se não for a bomba, então será o dia seguinte

Texto de Eduardo Frota


Do norte vem luz dourada; Deus vem em temível majestade.
Jó 37:22

Quando olharam para o céu e perceberam que aquele ponto escuro cortando o ar era uma bomba, houve pouco tempo para procurar abrigo. Havia sinais de que tudo corria, de que tudo perseguia o fluxo. Não levou uma hora, mas também não levou um minuto. Os segundos que se seguiram após o lançamento foram inclementemente mudos. Era possível ouvir as engrenagens dos relógios de pulso. O curso do tempo, a pausa para o autoindulto, um súbito arrebatamento, transes em súcubus.

Porque não era o instante em que a explosão aconteceria. Era o que viria depois.

Quando a luz banhou o espaço em branco, não fez-se noite, muito menos dia. Após o brilho, a onda de choque empurrou indiscriminadamente toda a matéria que resistia. Não fez-se um sobrevivente, nem uma vítima. Porque para o curso das vidas o corpo não era o suficiente. O peso da alma não era pouco. Por isso, não era o som ou a fúria, era o que vinha depois: nem paixão, nem ira.

Depois da bomba, nada mais cabia.

Não era o que o profeta dizia, era o monólogo que vinha depois. Não era a hora em que a criança dormia, era o sonho que vinha depois. Não era o orgasmo comungado pelo casal que se unia, era o afago que vinha depois. Não era o brinde entre os amigos, era a ressaca que vinha depois.

Depois da bomba, nada mais movia.

Não era a direção que as placas apontavam, era o desvio que vinha depois. Não era o defeito nos semáforos das avenidas, era a colisão que vinha depois.

Depois da bomba, nada mais servia.

Não havia som, não havia música. Não havia mais concerto à vida. Porque não era o tempo que se levava para ouvir uma palavra, era a afonia que vinha depois.

Depois da bomba, tudo poesia.

Foto > Nuclear missiles prepared for destruction at a base near the city of Nizhny Novgorod in Russia. Vladimir Mashatin/Agence France-Presse