Ainda que de olhos fechados você saberá onde eu estarei Revista Kuruma'tá, 11 de setembro de 202012 de setembro de 2020 Texto de Eduardo Frota Eu tive uma ideia: e se a gente retirasse a rede de proteção? Veja, passamos a vida inteira ensaiando esse número carregado de sutileza. Sim, somos trapezistas, aqueles que enxergam o mundo de ponta-cabeça. Há muito tempo nos tornamos especialistas em piruetas, dois mortais pra frente, acrobacias irreais, dois mortais pra trás. Por mais que fechemos os olhos porque o corpo se entrega ao desafio cego da rotina, sabemos que as nossas mãos vão se encontrar em pleno voo, no ar, bem acima das cortinas, no vazio dos olhares desconfiados de um respeitável público ávido pelo mútuo fracasso. E daí se ninguém aplaudir? O espetáculo do destino está em despistar o errante mesmo diante de um erro de cálculo. Pior do que alçar voo velado pelo sagrado véu da vida é vestir essa roupa colada ao corpo todo o profano dia. Sinto-me sempre pressionado. Todos os músculos, todas as juntas, todos os ligamentos e sentimentos ridiculamente à mostra, comprimidos e imediatamente depois desnudados pelo contato colante do náilon. É como estar nu diante dos fatos. A verdade é que a gente salta para o desconhecido todas as vezes que sobe ao alto, a troco de muito pouco ou de quase nada, camarada! Ah, isso é papo de trapezista – talvez diga o atirador de facas enquanto se maquia em frente ao espelho e espia o movimento do circo de soslaio. É porque ninguém atira lâminas afiadas em sua direção, é sempre o contrário. Pois então, meu nobre, só por hoje então, meu chefe, corta pra gente os cabos que amarram em quatro apoios a rede que nos protege dessa queda incerta e inerte. Que o número principal tenha sempre com a vida, e não com a morte, este temível flerte. A ContoEduardo FrotaLeituraProsa poética