Uma fotografia #3

Texto de Toinho Castro


Não sei quem são essas pessoas, nem onde ou quando essa foto foi tirada. E quem será a fotógrafa? Talvez fossem quatro amigas viajando e uma delas tirou a foto. E talvez exista por aí uma segunda foto em que ela aparece e cuja fotógrafa foi uma outra do grupo. Qual? qual dessas três saiu da cena e cedeu lugar à amiga, para assumir o posto por trás da câmera? Uma foto assim deixa margem para tantas especulações… Estarão vivas ainda? Lembram desse passeio? desse dia? Ou preferem esquecê-lo? Falavam o meu idioma ou essa foto percorreu países e fronteiras antes até chegar, décadas depois, à Praça 15 no Rio de Janeiro, e às minhas mãos num sábado de sol?

Foi frequentando a Praça 15 que eu soube dessa história. A história da fotógrafa viajante do tempo. Qual era o lance dela? Viajava para uma determinada época, comparava uma câmera, filme, ou se fazia de qualquer que fosse o método fotográfico da época. Simulava uma vida, pacientemente fazia amizades, participava de grupos, encontros e tirava fotos. Revelava as fotos e as deixava em algum lugar, às vezes ao acaso. Outras vezes pedia a alguém para guardar. Depois retornava à sua própria época e iniciava uma jornada investigativa para reencontrar as fotos e descobrir o que delas foi feito, se ainda existiam e o quão conservadas poderiam estar, ou se simplesmente haviam desaparecido no redemoinho do tempo. Todos temos uma perda de tempo que nos alimenta a alma. Essa era a dela.

Não é uma história que todos saibam. Circula entre poucas pessoas que frequentam a praça. Fiquei sabendo porque sou amigo do Mário, meu dealer de selos, e esse é o tipo de ideia que trocamos. Na verdade, qualquer pessoa que ande por ali comprando fotos é suspeita de ser a viajante. Ou o viajante, já que apostamos ser uma mulher apenas por suposição, porque não aguentamos mais narrar histórias com homens e suas máquinas. Dizem mesmo que ela não utiliza nenhuma máquina para viajar no tempo, porque o tempo não é uma estrada em que você precise de um carro. A única coisa necessária para viajar no tempo é você. O tempo é uma linguagem. Domine essa linguagem e você poderá conversar.

Será tudo isso verdade? Ou eu e Mário imaginamos essas fábulas para iluminar nossos sábados na feira? Ao mesmo tempo não deixo de pensar que toda vez que comprou uma foto velha estou sendo observado de longe por essa misteriosa e hipotética viajante. Será que um dia ela baterá à minha porta, para reivindicar a foto das suas três amigas? O registro desse encontro que pra ela pode ter sido ontem! Pois são assim as viagens no tempo; num dia você está 50 anos no passado e no dia seguinte está de volta, ao exato momento em que você partiu. De súbito me pergunto: será que ela está na foto? Será que agora mesmo, enquanto a seguro nas mãos, posso ver seu rosto e, eventualmente, reconhecê-la nas ruas do Rio, em Copa ou mesmo na praça? O mundo é esse lugar, cheio de “quem sabe?!” e “Tomara!”, como se essas duas expressões pudesse nos salvar do tédio de não poder viajar no tempo.

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