Texto de Dimmi Amora e fotos de André Vieira
Texto publicado originalmente no número 4 da Revista Zé Pereira, em fevereiro de 2008, na seção Aristocracia Carioca
Hoje perdemos o grande Gerson King Combo. Fica esse buraco na cultura carioca e na música brasileira. Em sua memória publicamos hoje esse texto da Revista Zé Pereira, de fevereiro de 2008, em que acompanhamos o mestre, o Rei do Soul brasileiro, num passeio pelo Mercadão de Madureira… onde mais?!
O chapéu com penacho e a capa preta ficam no armário do apartamento simples, no térreo, Rua Carvalho de Souza, área central de Madureira. Para ir às compras, todos os sábados de manhã no Mercadão de Madureira, Gerson Rodrigues Cortes — 63 anos, carioca, flamenguista, viúvo duas vezes, um filho, uma neta — leva do traje que o tornou Gerson King Combo, o rei da black music no Brasil, um único ornamento: o cordão grosso com pingentes de dente de tigre e microfone de bronze.
Diante de um Mercadão repleto de quinquilharias brilhantes made in China, Gerson não teria vida fácil se quisesse brilhar como brilhou nos subúrbios do Rio na década de 70. Anônimo, e tranqüilo com esta condição, ele vagueia por entre as mais de 600 lojas do mercado inaugurado em 1959, em busca dos produtos indispensáveis, de novas paixões de consumo e do trivial.
Um galho de arruda, óculos escuros e outras mercadorias provocam lembranças no homem que está presente na música popular desde a era do rádio. Apesar de todos os revezes nestas quatro décadas, Gerson e o Mercadão mantêm-se vivos e ativos. Neste passeio pelo maior shopping popular do país, o rei do black conta à Zé Pereira as histórias do início do rock e da black music por aqui, de racismo, das alegrias, das decepções, do subúrbio.
Capa preta americana
Ao lado do presépio de Natal montado pela administração do Mercadão, fica a Orixás em Festa, loja de artigos religiosos. Velas de sete dias estão em promoção, a R$ 1,45. Máscaras de madeira, ornadas com pedras e marfim, importadas da Nigéria, podem valer de R$ 200,00 a R$ 3.000,00. Na frente da loja e ao lado do presépio, um exu Tranca Rua das Almas, de 1,80 m, veste uma capa preta que custa R$ 350,00.
Desde que o dono da loja, Pedro Silva, coloco-a na porta, a imagem, que não está mais à venda, virou objeto de culto. Mulheres beijam-na. Semanalmente, garrafas de cachaça colocadas como oferenda são recolhidas pelos funcionários. Semanas atrás, Latifa, neta de Gerson, foi passear com o avô e, vendo a imagem do homem negro, imponente e risonho vestido com a capa preta, não hesitou:
— Vovô!
Gerson é católico, vai à missa todos os domingos na Paróquia do Santo Sepulcro, respeita as religiões afro, mas não gosta da semelhança. Sua capa preta tem outra origem, e nem é originalmente black. Foi idéia do instrumentista Cesar Camargo Mariano, branco o suficiente para ser barrado numa boate do Harlen, em Nova Iorque, no início da década de 70.
— Eu estava no Harlem, excursionando com o Simonal e o Cesar Camargo. Eu era tímido e o Cesar dizia para eu adotar as roupas que os negros usavam lá: “Vai para Madureira com isso que você vai arrebentar. Bota capa, luva, bota esta porra toda”. Eu não queria usar, porque os caras eram cafetões. Ele insistia que aqui no Brasil era outra coisa. “Porra Gersão, tá perdendo tempo”, dizia o Cesar. Cheguei aqui e adotei. Minha segunda esposa, a Angélica, costurou a primeira capa. Foi aquele sucesso — conta Gerson.
Além dos cafetões nova-iorquinos, inspiraram o visual de Gerson, o King Curtis Combo, de quem ele copiou o nome, e James Brown, ambos adeptos da capa na época.
Tropa de elite
A fantasia de Papai Noel está logo na entrada da Loja Fantasias, Galeria H do Mercadão. Lá dentro, um manequim de colete preto, acolchoado. Da cintura para baixo, apenas uma lingerie. A boina com a caveira do Bope, completa o visual Capitão Nascimento, o sucesso do momento. R$ 59,90. A versão infantil (R$ 39,90) não tem cinta-liga, é claro.
Gerson é filho de um policial militar, seu Jovelino Cortes, um dos responsáveis pelo fato de um negro nascido na subida do Morro São José ter passado a infância e a adolescência longe do samba.
— O sambista era visto como marginal. Meu irmão, Getúlio Cortes, era muito americanizado, e foi um dos primeiros DJs. Comprava discos e levava pra gente dançar. Mas não tinha samba.
Gerson conta que, com a chegada do rock, a cisão foi total. Os sambistas viam os roqueiros como homossexuais. Só mais velho Gerson se reconciliou com a turma do samba. Hoje, é vizinho de Tia Doca da Portela e presença em seus pagodes. Com a polícia, ele mantém um respeito formal. Seu problema agora é com um dos movimentos que ele ajudou a criar: o funk carioca. Gerson tem pavor de uma parte do movimento que usa a música para fazer apologia do crime ou fala (e faz) sexo explicitamente:
— Juntar o black e este funk dá choque. Temos um problema social, com esta periferia carente. Não precisa dessa coisa de chamar mulher de prostituta, cantar que vai comer a mãe. Nós, que fizemos letras com cunho social, não temos nada com isso. Não temos nada que bandido é melhor. Nem polícia é melhor nem bandido é melhor. Este funk é um modismo que não vai vencer. A não ser que queiramos que vire uma Sodoma e Gomorra. A idéia é até policiar isso. Já fui a baile que tinha sexo explícito.
Madureira Tênis Club
A Madureira que Gerson nasceu era muito diferente. Mesmo sendo morador do asfalto, ele e o irmão e as duas irmãs traziam latas de água da bica que ficava no fim da Rua Andrade Figueira. Poucas ruas eram urbanizadas e o transporte coletivo eram os bondes. Hoje, o bairro é o principal pólo comercial do subúrbio do Rio. Pelo menos 17 linhas de ônibus passam em frente ao Mercadão, além das centenas de vans e kombis que a ajudam a tornar o tráfego ali um inferno.
A Madureira de antigamente lembra um pouco a Mercearia Rosa da Conceição. Encravada na Galeria G do Mercadão, ela se diferencia por ainda oferecer grãos em sacos de dez quilos. É possível encontrar o acaçá, uma farinha de milho branco ou vermelho, usada na culinária baiana (R$ 2,60 o quilo), e a ervilha extra-macia a R$ 3,20. Sinal dos tempos, atrás do balcão estão os enlatados como milho e azeite.
— A vida não era mole não. Eu tive uma infância muito triste. Nós não podíamos nada. Onde hoje está este Mercadão, havia o Madureira Tênis Club, onde crioulo não entrava — conta Gerson.
A Madureira de hoje tem um pouco da transformação que Gerson ajudou a construir na sociedade brasileira. O clube que não aceitava negros se mudou e deu lugar a um entreposto de hortigranjeiros, que ficou pronto em 1959. Anos depois, no remanescente Madureira Esporte Club, Gerson entrou pela porta da frente, com o grupo Renato e Seus Blue Caps, onde aprendeu a cantar. Agora, a porta dos fundos no Mercadão — que a patir a inauguração da Ceasa de Irajá, em 1976, foi se transformando num centro comercial — é apenas uma opção.
— Eu nunca quis sair de Madureira, do subúrbio. Gosto daqui, me sinto em casa, com os amigos. Tinha até vontade de ir morar no Recreio, eu faria amigos lá também, mas eu acho que não saio daqui mais não —profetiza Gerson.
Especiarias
Gerson é procurado quase diariamente por jornalistas de todo o mundo. Simpático, carismático e educado, tendo acompanhado o surgimento do rock no Brasil, ele é, hoje, um ícone da música negra no país, e cult até na Zona Sul. Na década de 70, era raro ele aparecer na imprensa. Um dos poucos momentos, foi quando a jornalista Lena Frias, pelo “Jornal do Brasil”, fez a primeira reportagem sobre o movimento black no Rio.
— Fomos para alguns bailes e ela fez uma grande reportagem. O título era “O novo ritmo da Zona Norte”. A partir dali, o black estourou. O black deve muito a esta moça — agradece Gerson. — Na Zona Sul, nunca tivemos muita entrada. Só tinha um baile, no Olímpico, em Copacabana. Mas enchia.Vinha todo o pessoal dos morros.
Depois da reportagem e de muitos bailes suburbanos que consolidaram o ritmo no Rio, Gerson Gravou dois discos: “Gerson King Combo”, em 1977, e “Gerson King Combo volume II”, em 1978. Depois de anos sem reedições, eles saíram em CD. Apesar de os discos em vinil terem virado peça de colecionador, Gerson não ganha praticamente nada em direitos autorais. Vive do salário de funcionário público e dos poucos shows que, na linguagem dele, pingam.
Na galeria K, num cantinho meio escondido do labiríntico Mercadão, a Rio Flora Especiarias guarda raridades dos temperos. Entre um cesto de sal grosso (R$ 1 o quilo) e uma lata com erva de bugre (R$ 10 o quilo), estão ervas raras que temperam os pratos de grandes chefs do Rio. O quilo do estragão, adocicado e picante, custa R$ 140. Já o cardamano, importado do oriente, não sai por menos de R$ 160. Mas nem os mais raros temperos da Rio Flora, alcançam o preço já pago por colecionadores por um disco em vinil de Gerson: R$ 250.
— Eu preferia um pouco menos de fama e um pouco mais de dinheiro — confessa.
Amores
Na cozinha, Gerson também é rei. Adora receitas italianas e não fica sem macarrão em casa. A maior parte dos alimentos são comprados por ele nos sábados no supermercado Rede Economia, ou no Shopping da Carnes, que oferecem melhores preços. No Mercadão, Gerson ainda compra peixe fresco, na Peixaria Domenico Baroni, que pertence a Carlos Barone, filho de Domenico. Ali, em novembro, o camarão rosa, de bom tamanho, podia ser comprado a R$ 12,99 o quilo. O peixe preferido de Gerson é o namorado (R$ 11,99 o quilo).
— Faço o namorado a escabeche, com molho de camarão. Quando vou para a cozinha, deixo a turma doida — revela, sem modéstia, o rei.
Gerson aprendeu muito na cozinha com Angélica. Os dois eram dançarinos nos show promovidos pelo radialista Jair Taumaturgo, que em seu programa “Hoje é dia de rock”, na Rádio Mayrink Veiga, criou uma espécie de semente do rock no Brasil. Mas eram amigos, já que ele era casado com a cantora Elizabete Marques. Em 1962, Gerson perdeu Elizabete e sua primeira filha durante o parto. A depressão foi grande, só curada com a ajuda de Angélica.
— Ela foi me consolando, me consolando e acabou me consolando quase 30 anos. Foi uma vida com ela — conta Gerson que perdeu a segunda mulher em 1990.
Depois da morte de Angélica, só namoros eventuais. Nos relacionamentos, diz que nunca viveu preconceito. Ao contrário. Era e continua sendo mais paquerado por mulheres de pele mais clara. Com as mulheres de pele mais escura, ele se sente mais rejeitado. A agitada vida romântica de Gerson não aparece nos primeiros discos. Ele preferiu caminhar por uma área mais difícil, com letras que tinham como objetivo a afirmação do negro. Seu clássico, “Mandamentos Black”, diz: “Falar como fala um black/ Andar como anda um black/ Usar sempre o cumprimento black”.
— Isso me traz reconhecimento até hoje, mas me criou problemas. Tinha pouco espaço na mídia. Hoje, acho o negro já não precisa de tanta afirmação. Já tem ministro negão, presidente de CPI negão. Há 30 anos não tinha isso. Agora, minhas letras ficaram mais românticas — conta ele, que tem 12 músicas inéditas para gravar e continua produzindo e ouvindo soul music. — O DVD dos The Temptations não sai do aparelho.
Arruda e Escadinha
Nas manhãs de sábado, Gerson entra no Mercadão pela Rua Conselheiro Galvão e vai direto ao segundo andar. No box 23, Arthur Costa está a espera do cliente fiel com uma ramo de arruda. Todos os sábados, Gerson leva para casa a planta, e não faz com ela nenhuma iguaria:
— Coloco com um copo d’água atrás da porta. Ali, se vier qualquer coisa ruim, para o mal, bate e vai embora na hora. Isso me foi ensinado pela minha avó, que era rezadeira.
A tradição nunca foi esquecida, nem nas épocas de maior fama. Gerson conta que o assédio era tanto que passou a andar menos pelas ruas do bairro. Nesta época, foi morar com Angélica e seu único filho, Gerson Júnior, na Vila da Penha. Num fim de semana, ele notou que estava sendo perseguido e parou o carro em Madureira, próximo a casa de sua mãe. Foi interpelado por dois homens que queriam que ele entrasse em outro veículo. Gerson não estava disposto a entrar, mas os homens disseram que o músico Roberto Ribeiro estava esperando por ele. A arruda deve ter ajudado: quem esperava era José Carlos dos Reis Ensina, o Escadinha, um dos maiores traficantes da época.
— Foram subindo o morro. Quando cheguei lá em cima, tava o Roberto Ribeiro, o Beto Sem Braço, o Bezerra da Silva, todo mundo num pagode, promovido pelo Escadinha. Ele queria todos os artistas famosos de Madureira lá. Tomei um susto danado e a Angélica quase morreu do coração — lembra.
Escadinha era conhecido de Gerson desde a infância. Estudaram na mesma escola, a Cristo Rei, em Vaz Lobo. O traficante que deu trabalho à polícia do Rio na década de 80 e acabou assassinado em 2004, após cumprir sua pena de prisão, tinha uma outra imagem para Gerson:
— Ele era um bom aluno e um bom menino na escola. Todo mundo gostava dele. Eu chamava ele de Zeca e, naquele dia, nos falamos e fiquei contente.
Terrorista
As lojas que vendem pipas e assessórios continuam resistindo no Mercadão. São três, no segundo andar, com modelos de cores e preços semelhantes. Em destaque, as pipas com escudos de times de futebol e as com personagens folclóricos ou polêmicos, como Osama Bin Laden. Numa loja, o vendedor diz que a pipa não está à venda. Em outra, que acabou. Ninguém quer ficar com fama de terrorista.
Gerson também não quis levar esta fama na década de 70, durante a ditadura. Quando seu disco foi lançado, ele teve que ir prestar depoimento no Departamento de Ordem Pública e Social (DOPS) da Polícia Federal.
— Queriam saber minha ideologia. Eu disse que era dançar e namorar. Cheguei a dizer que não entendia o que acontecia com os brasileiros que não podiam protestar se no mundo todo protestavam. Ele achou que eu era meio inocente. Nós éramos inocentes mesmo. Não tínhamos esta raiva. Só procurávamos um espaço para o black.
Ao carisma de Gerson, nem a ditadura resistiu.
— O delegado ficou meu amigo. Disse para eu não levantar bandeira negra, nem branca. A verdade é que não podia ser tão radical. Era o que conversávamos porque senão iríamos presos. Não tínhamos uma guarida que tinha um Gil, um Gabeira, um cara da Zona Sul. Se a gente fosse preso, a gente ia entrar na porrada, como eu vi muita gente tomar porrada quando eu era pára-quedista. Tive que sair do Exército em 1965, por causa da música — relata Gerson que, ainda militar, viu Gilberto Gil e Caetano Veloso presos em sua unidade.
Papel de arroz, do Roberto e do Tim
Não tem para ninguém. A loja mais cheia do Mercadão é a Casa do Papel de Arroz. Um aglomerado de gente com máquinas digitais na mão, ocupando metade do corredor da Galeria G indica onde funciona a loja que produz papéis comestíveis. Por módicos R$ 5, é possível comprar um A4 com a cara do filhinho, da filhinha, do netinho ou da netinha e colocar no bolo de aniversário. Por R$ 9, você leva um tamanho A3. A vendedora também oferece foto na camisa e em imã de geladeira.
O sucesso da loja mostra o quanto a imagem é importante hoje em dia. Gerson é do tempo em que a imagem estava engatinhando. Quando começou, era no rádio que se consagravam os astros e para onde ele e seu colega atual colega de majestade, Roberto Carlos, foram.
— O Roberto foi no programa do Jair com o Snakes. Ele, o Tim Maia, o Erasmo Carlos e o Alírio, já falecido. Fizeram um teste e nem foram bem. Eles eram esquisitos. O Roberto era manco, o Tim era gorducho, o Erasmo era grandão e o Alírio baixinho — diverte-se o Rei Black.
Gerson conta que Tim já implicava com Roberto, a quem acusava de não saber cantar, e fez com que ele saísse do grupo. Mas, dos quatro, foi Roberto quem acabou levando a coroa. Na TV, o plano era americano e ninguém percebia a falta da perna do cantor ou sua voz pouco potente. Só seu sorriso simpático e contagiante.
— O Roberto sempre foi carismático. E aprendeu muito com a gente. Ele e a Wanderleia andavam no trem da Central, onde o pessoal do subúrbio voltava para casa cantando e dançando rock. Eles até passavam da estação pra ficar com a gente — relembra.
O mago e o maluco beleza
Nos sábados, a entrada principal do Mercadão, pela Avenida Edgar Romero, está lotada de camelôs. A maioria vende CDs piratas e o ritmo preferido são os funks e hip hops de cantores americanos. Legal ali, somente a banca de jornal que também vai sucumbindo. Revistas e jornais são poucos. Livros, nem mesmo do ex-colega de trabalho de Gerson na Polygram (atual Universal), o agora mago Paulo Coelho.
— Eu o chamava de cabeção. A gente dizia que ele era diretor da VEC. Era a diretoria do Vai Enganar Caralho. Ficava lá, fazendo criação. Depois que se juntou com o Raul, eles ficaram doidos de vez — conta.
Como bom criador, Paulo também copiava. Gerson conta que, ao chegar ao Brasil da excursão com Simonal, no início da década de 70, vestiu suas novas roupas e foi divulgar suas músicas na Avenida Rio Branco, Centro do Rio. Lá, foi xingado de tudo quanto é nome por quem passava no ônibus.
— Mas eu respondia: tudo bem, eu tô com dinheiro e carro com motorista. Você ta duro ai dentro do ônibus. Foi um perregue. Contei isso pro Raul e pro Paulo e ele disse: “Tu fez isso, mesmo?”. Depois, os dois foram para a Rio Branco fazer passeata para divulgar o disco deles.
Violada no auditório
Quebrar violão também já não era novidade para Gerson em 1967, quando Sérgio Ricardo quebrou o dele ao ser vaiado no Festival da Record. Um ano antes, em 1966, Gerson já tinha destruído um, mas na cabeça de um espectador durante um show da banda de Renato:
— Foi um show em Cataguazes. Eu estava estreando como cantor. E também o Leno e a Lílian. Estávamos todos muito nervosos e quando eu desci do palco, o Leno e ela iam entrar. Vi um cara passando a mão na bunda da Lílian. Não conversei. Peguei o violão do Leno e quebrei na cabeça do cara. Depois fiquei só com o braço, me defendendo de uns 15.
Pomba da paz
Durante muitos anos, o movimento black teve uma cisão. Seus dois principais ícones musicais, Gerson King Combo e Tony Tornado, não podiam ser chamados para dividir o microfone. Talvez nem o palco. Os dois ex-pára-quedistas ficaram inimigos no Festival da Canção de 1969. O motivo: a briga para ver quem cantaria “BR-3”, música de Tibério Gaspar e Antonio Adolfo, símbolo daquele concurso.
— O Tibério estava me procurando para ensaiar a música e o Tony disse que eu não viria porque eu morava em Cosmos, que era muito longe. Quando eu cheguei, eles já estavam ensaiando. Eu acabei cantando “Ave Gloria Day” com a banda do Dom Salvador, e ficamos em quinto lugar. Eles ficaram em terceiro. Quando me contaram esta história, fiquei para morrer. Ali criou um iceberg entre a gente.
A paz entre os dois é recente e nem precisou que os amigos comuns comprassem uma das pombas brancas (R$ 15 a unidade) vendidas nas lojas de animais vivos, no segundo andar do Mercadão. Também não houve um almoço com as galinhas, coelhos, patos, marrecos, faisão ou cabrito (R$ 80 cada filhote) para comemorar. Gerson também não comprou um espumante na Brumore, galeria H, sua loja de bebidas preferida no Mercadão. Mas, garante, agora está tudo bem:
— Eu perdoei ele. Acho que cada um tem sua hora. Era a hora dele, ele foi feliz. E quando chegou a minha hora, eu também fui feliz.
Coreógrafo do Chacrinha
Depois das quinquilharias chinesas, os produtos mais vendidos no Mercadão são as bijuterias, vendidas por todo o primeiro andar. Na Letícia Bijoux, a vendedora conta que a moda agora são os braceletes (que podem custar até R$ 15). Mas não saem de moda os apliques de cabelos. Pretos, ruivos, coloridos, louros, podem custar entre R$ 5 e R$ 45.
O aplique dá ao visual feminino um jeito meio As Panteras (originais). Ou, abrasileirando, meio Chacretes. O Velho Guerreiro deve a Gerson a criação destas personagens:
— Eu era um exímio dançarino. Mas na época quem dominava a dança na TV eram umas bichas bailarinas argentinas que ficavam com negócio de “uno, dos, tre” e não dava nada certo. Eu trabalhava na TV Rio e o Chacrinha estava lá. Com ele, só tinham duas mulatas grandonas que não sabiam dançar. Fizemos um teste para escolher mais garotas e fazer um grupo, que eu ensaiava. As primeiras chacretes fui eu que ensinei a dançar. Rita Cadillac, Índia Apache e tantas outras. Quem popularizou a dança na TV fui eu — orgulha-se Gerson.
Ser dançarino antes de ser cantor (Gerson só foi aprender a cantar no meio da década de 60) fez dele um showman com uma presença de palco invejada por muitos músicos, entre eles Tim Maia:
— Ele ia aos meus shows para aprender. Ele dizia para mim: negão, tu não cantas porra nenhuma. Mas eu queria ter nascido no teu corpo com a minha cabeça e a minha voz.
A gente agradece à Revista Zé Pereira que cedeu esse texto pra gente publicar nesse dia triste em que perdemos o Gerson!
Texto escrito e publicado pela primeira vez antes da implementação do acordo ortográfico. Publicado agora com revisão original.
Gostei bastante do seu blog. Legal o conteudo. Parabéns
🙂