Tesserato: + 2 poemas de Calí Boreaz Revista Kuruma'tá, 29 de outubro de 202010 de março de 2021 Poemas de Calí Boreaz geotectônica existimos porque alguémpensa em nósnão o contrário.mexer-se por dentro da cabeçaaté a combustãonão te dá uma partícula de existênciapelo contrário — tira-tequanto mais as coisas pensadasexistemao pensá-lascada vez mais adiasa tua existênciainclusive se quiseres desaparecerdo mundo o que podes fazer épores-te num canto a pensarsó a pensar/ solidão virá de solidificarexistências — outrasàs vezes o passado é sólidonum presente pastosoàs vezes são os presentes paralelos quedemasiado concretamentese assemelham aos telhados confusosque olhamos da janelanum lugar oblíquo — íntimo — da cidadequando olhar pela janela se torna propriamenteum lugare o porvir que às vezes perpendiculaao posto burocráticocomo um cínico regato, assim fugidiçoquantas vezesnão sentiste os pés levemente molhados deum futuro que nunca existirá?nunca ninguém pensou nisso nos estadosda imatéria?também há gente estonteantemente rochosaque não arreda pé de nos furar o ar respirável deofegante existência \se quiseres desaparecerdo mundo o que podes fazer épores-te num canto a pensarsó a pensar, dizia euenquanto isso vais ver como vaismirrandoe (sisifiana mente)en volvendo a ti mesmochega uma hora em que vais evaporarnum interstelar sopro mudomudo ainda por cima:ninguém vai re pararé a chamada— desistênciaao contrário, quanto maispensarem em ti maisreal serás maisacesa tua constelação de partículas— de existência.mas e quando duas pessoas estãocada uma em seu cantoapenas pensandouma na outra?aí acontece o fenômeno buraco negro(onde o tempo pára e o espaço rara)nem existesnem desaparecesinsistes janelitude ei ei vocêtu, simvem cáapoia-te aquino parapeito deste poemadescansa um poucoposso servir um café, queres?espera, não váspode ser cháchuvachocolatetambém prefirotambém me acalmaisso, apoeta-te aquinão bate o sol aquiaqui é sempre meio madrugadameio lusco-fuscosim, também estou em trânsitoembora esteja aqui à janelamas repara ela não tem vidroporque isto não é uma casaisto é um poemaespreita aquivês? não há móveistambém não há portaspor que eu chamo isto de janelaentão?boa perguntaentão fica mais um poucopousa esse pesodesamarra o cabelooi : )eu reparei logo em ti, sabesestavas a caminhar com muita pressa denadaeu também ando assime depois às vezes entro num poemahá vários vazios por aínunca tinhas reparado?é porque nunca tinhas paradose não se parar como é que se vai repararestá pronta a chuvaprontochuva e chocolate é receita certa de parançadizes tu portanto quese não há portas cá dentronão pode isto ser uma janela pra forapois não existindo assimo próprio dentro e o próprio foranão haveria precisança de janelao próprio conceito de janela se tornaria absurdosem o dentro e o fora que a condicionamà função de ser janelaisso está tudo muito certodo ponto de vista arquitetônicomas já te disse — istonão é arquiteturaisto é um poemaachas que só o ramo é que está na árvore?a árvore toda ela está no ramo esquartejadoassim como um país inteiro está no exiladoe a vida toda se deixa conter num segundo de ponteiroassim como o universo cabe no teu cabeloassim desamarradoentãonão são só o dentro e o fora que têm uma janelaa janela também tem em si o dentro e o foramesmo que neste preciso momentoa gente já não saiba quemestá fora e quemestá dentroe por isso é que istoé a janela de um poemaserve apenas pra pararpousar o pesodesamarrar o cabelodescansar um poucotomar chuva e chocolatee prestar atenção nos deuses quenão te prestam a menor atenção Compre seu exemplar do livro tesserato, de Calí Boreaz A calí boreazLivroPoesiaPortugalTesserato