Texto de Eduardo Maciel
Olá novamente, meus querides kurumaterires!
Tem algo me atormentando. E não se trata de um tormento qualquer. É daquele tipo de incômodo que acompanha a gente desde a hora de acordar até a hora de dormir. E, não-raro, inclusive vem me perturbar durante o sono. Quando isso acontece, ao acordar não consigo discernir se vivi um sonho ou pesadelo. Já me explico.
Desde criança, quando ainda bem novinho mesmo, sempre gostei de ir à praia. Nada muito difícil quando se tem pais generosos como os meus. Mais fácil ainda quando se mora no Rio de Janeiro e sua variedade de opções à orla.
Já adulto, continuei com minha paixão e me aproximei ainda mais do mar. Nessa época, ele já era pra mim um lugar sagrado e digno do mais absoluto respeito. Em parte em razão de o planeta ser setenta por cento composto de oceanos, e, por outro lado, porque alguém um dia jogou búzios para mim me dizendo filho de Yemanjá (odoyá minha mãe!).
Essa fascinação pelo mar me impediu, creio eu, de desenvolver vontade de me aventurar pelos esportes aquáticos (exceto pela natação, em maior parte praticada em piscinas, onde inclusive competi – e venci – em diversos campeonatos infanto-juvenis). Eu não poderia brincar no meu maior templo, usando ondas e todas as possibilidades da superfície fluida e salgada dos mares: seria um sacrilégio pessoal. Talvez isso também explique a minha revolta com a poluição nos mares, mesmo em festividades religiosas, com seus barquinhos e oferendas (odoyá minha mãe de novo).
Vim nutrindo durante a vida uma devoção pelo mar, e pelos seres que neles habitam. Afinal, se a Terra é feita, em sua maior parte, de mar, suas criaturas é que são os verdadeiros “donos” do planeta, certo?
Pois bem. Nesse ponto da vida decidi que iria me certificar como mergulhador. Fiz o curso e comecei minha peregrinação ao redor dos sete mares, mergulhando de cilindro no Brasil e fora dele, contemplando muito respeitosamente todas as infinitas cores, formas e sensações que o fundo do mar podem nos proporcionar. Naquele silêncio barulhento e calmo típico das profundezas.
Tempos maravilhosos, sem dúvida.
Até que raia esse ano de dois mil e vinte, e com ele a pandemia da Covid. E com o vírus, a necessidade de isolamento. Tenho tentado cumprir todos os protocolos, o que inclui não aglomerar na praia. A última vez que visitei “o meu lugar sagrado” foi antes do Carnaval. Lá se vai quase um ano de afastamento.
E o que antes era uma falta se transmutou em saudade, e a saudade evoluiu para uma quase obsessão, que nesses últimos dias tem me atormentado e me assombrado, a ponto de me infligir dor física até.
Tentei recentemente procurar praias desertas um pouco mais afastadas, mas lá estavam pessoas, sem máscaras de proteção, para me desencorajar. E permaneço resiliente. Apesar da dor.
E finalmente quando ligo a TV ou quando leio as notícias de uma segunda onda da pandemia, confesso por vezes me deparar com conflitos internos e inéditos a respeito de qual deva ser a minha conduta. E se alternam dentro de mim os ímpetos de deixar os cuidados de lado e a necessidade de permanecer abstêmio.
Mas a abstinência me consome, e como já lhes disse, me atormenta.
Até agora a prudência fala mais alto. Mas não sei até quando conseguirei suportar. Vai passar, dizem para mim. Vai passar.
E eu, por mais que creia nisso, me pergunto: será que estou preparado para completar um ano inteiro sem a praia?
Veremos.
Peço desculpas a vocês pelo desabafo, mas é que eu precisava mesmo falar sobre isso. E aposto que alguns de vocês hão de empatizar com a minha dor. Não é mesmo?