Texto de Toinho Castro
É uma longa jornada até o Planeta Amarelo. De lá até o Planeta Azulado é mais um bom tempo de viagem, só que sem qualquer mundo habitado no caminho. A nave é precária e eles não podem confiar completamente nos instrumentos que enfeitam os painéis. Roberval estudou profundamente os mapas daquele setor e brincam até que há uma espécie de ligação magnética entre ele e o Planeta Azulado. Os dois nunca poderiam se perder um do outro. Então, chegar ao objetivo último é uma questão de tempo.
Acreditamos nisso.
Até lá, os jogos dimensionais, os cálculos de trajetória e os sonhos criogênicos são a distração dos tripulantes. Sonhos criogênicos podem ser registrados e analisados por máquinas. No computador pode-se combinar sonhos e outras imagens, ou sons, e induzir novos sonhos, quase dirigidos, como se fossem filmes. Com dedicação e muitas horas de voos interestelares sem muita coisa pra fazer, a não ser sonhar, é possível controlar os próprios sonhos. É possível também criar sonhos coletivos, desde que haja alguém no controle manual do sistema de processamento de sonhos.
Essas experiências, além de divertidas, são úteis e contribuem para a vasta rede de estudos sobre o sono e, especificamente, os sonhos. A ciência dos sonhos só cresce, em pesquisa e desenvolvimento, a cada ano. A ideia central é, naturalmente, minimizar a fronteira entre as regiões oníricas e a realidade. Talvez logo não seja preciso fazer certas coisas, visitar lugares ou encontrar pessoas se você puder simplesmente sonhar com isso.
Quanto à nave, seus sinais chegam regularmente, mas logo teremos uma zona de sombra e o sinal só será recuperado já nas proximidades do Planeta Azulado. As notícias são que lá perdura uma próspera colônia, que ocupa uma pequena área montanhosa na margem de um mar interno ou lago. As informações não são muito precisas. O que se diz é que desenvolveram a pesca e não mantém contato com civilizações de outros planetas. Teriam esquecido o início de tudo e documentos importantes que registrariam sua história se perderam. Sondas investigativas informam que discutem a possibilidade de vida fora do planeta, mas como mitologias.
A nave entrará em órbita e um módulo levará a tripulação até a superfície, numa zona desabitada. Começa aí a longa tarefa de reestabelecer o contato com essa gente perdida, que cultua totens de deuses e dança na água para atrair os peixes e encher suas redes.
São parte da família e precisamos recuperá-los, explicar-lhes a origem. Fico pensando se seremos inconcebíveis, se estaremos em vão entre eles. Que diferenças se acentuaram nesse longo período de isolamento?
São pescadores e são pacíficos, pelos menos até onde sabemos. Nosso pessoal nunca mais voltará e sabe-se lá se sucumbirão ao esquecimento e à pescaria. Talvez acabem por ensinar os sonhos criogênicos e durmam e sonhem que estão na Terra, a antiga Terra. Talvez sonhem por fim que falam conosco e os ouviremos de alguma forma, talvez nos nossos próprios sonhos gelados.