Texto de Toinho Castro
O título desse texto é um poema, um poema de um verso, da jovem Upile Chisala. Digo jovem porque ela tem pouco mais de vinte anos, e lembrei de mim mesmo, apesar de todas as distâncias entre nós, com essa idade, lá no Recife, escrevendo meus poemas. Como eu queria, naqueles dias, ter topado com um livro como o de Upile.
Eu destilo melanina e mel (Editora Leya, 2020) me chega tantos anos depois, mas não me chega atrasado. A força de livros assim é sempre entrar nas nossas vidas no momento preciso, na hora em que mais precisamos deles. É um livro que eu abro e me apresenta uma nova voz, uma vivência que me ensina. Sabe, em todo livro a gente precisa aprender a ler. Toda leitura precisa ser de aprendizado. Aprendizado do outro, de si mesmo. De lugares no mundo, geografias, tradições.
Li na orelha do livro (adoro!) que Upile é uma contadora de histórias. Então vejo cada um dos seus poemas como pequenos universos. Uma intensidade concisa. Não há títulos e como enxergar a fronteiras entre um poema e outro? Como não pensar que seja tudo, por outro lado, um grande poema, feito de fragmentos e observações do mundo, da vida de uma mulher negra, africana, forte. E essa mulher africana falando comigo, aqui no Rio de Janeiro, comigo que cresci lendo tantos homens. Por isso, hoje, falo em aprendizado da leitura o tempo todo.
Mulheres como Upile me recolocam no mundo e me sinto jovem como elas, com o frescor iluminado dessa poesia que atravessou oceanos.
Meus ossos atravessaram oceanos para encontrar você.
Se eu pedisse,
eles fariam tudo de novo.
Às vezes o livro é como um manual, apontamentos. Lembretes contra a tristeza do mundo. Mesmo quando os poemas são tristes eles se erguem contra a tristeza. Imagino Upile anotando esses versos em cadernos, post-its, na palma da mão como quem anota um telefone importante, de alguém que se quer muito rever. Imagino ela carregando esses poemas, antes que virassem livros. E minha vontade é de carregar esse livro por aí. Poemas para serem carregados com a gente, na hora da fuga, na hora do metrô lotado ou da praia vazia.
A voz da minha mãe é o meu lar.
— Upile Chisala
Upile Chisala nasceu na República do Malawi, na África Oriental. Um país que tem como fronteiras Moçambique, Tanzânia e Zâmbia, e é banhando pelo Lago Malawi, um dos grandes lagos africanos. Malawi significa, na Língua Nianja (cinianja ou chewa), nascer do sol.
Leia um perfil, e entrevista (em inglês), com Upile Chisala no site OkayAfrica.
Compre Eu destilo melanina e mel na Blooks Livraria!