Dois sons pra escutar agora!

Texto de Toinho Castro


Vírus, de Laura Finocchiaro

Às vezes o rock’n’roll fica muito quieto e comportado, e dá saudade das explosões raivosas, que só ele é capaz, contra o sistema das coisas, contra o que oprime, sufoca, encurrala. Rock de reação, de pé na porta, de “tô aqui!”, pra sacudir e, quem sabe, derrubar as estruturas. E eis que a  cantora, compositora, guitarrista, arte-educadora e produtora musical, Laura Finocchiaro, chega mandando ver com seu single Vírus, que traz letra afiada do jornalista João Luiz Vieira.

No comando da produção e de todos os instrumentos, com parceria luminosa do percussionista e baterista João Parahyba no groove, Laura se solta contra o Vírus que assola o país. Não só o corona, na sua vertiginosa ocupação das nossas vidas, mas os tantos vírus soltos por aí, reforçando a chocante mortandade. A corrupção, as fake news, o egoísmo do negacionismo, diante do óbvio e da morte de centenas de milhares de brasileiros. Uma canção contra o genocídio e o genocida.

Vírus é poderosa, é cortante, dilacerante e carregada da raiva justa, explosiva. Rock’n’roll sem medo dessa artista que, no ano que vem, completa 40 anos de carreira independente, atravessando o cenário da música brasileira, desde a estreia no Lira Paulistana, e ao longo de 11 discos lançados, com consistência, vigor e a sagacidade necessária pra dar saída e voz a esses sentimentos que a gente tá carregando desde que se instalou a pandemia!

Quero te mandar pra lá,,, Patife!
Quero que você se mova,,, Sem vergonha!
Quero te mandar calar… Vil!
Quero que você se exploda… Vírus do Brasil!

Escute Vírus nas plataformas de streaming!


Catiré (Na Bahia foi), de Litieh

E agora para algo completamente diferente. Diferente, mas que, de alguma forma, se soma a um trabalho como o da Laura Finocchiaro, pra falar com a gente nessa confusão em que estamos metidos. Litieh, que eu adoro de coração, traz pra gente essa versão de Catiré (Na Bahia foi). Música linda linda. Tá lá no álbum Catiré, que Litieh lançou em 2015. Tá lá com o tal swing delicioso que só Brasil tem. E é desse Brasil que dá saudade nesses dias duros que vivemos. Então ela, Litieh, vem e me regrava Catiré numa ternura, numa delicadeza comovente.

Dou play no streaming, e dou play de novo. Porque é música de ficar em looping, mantra que nos resgata no ser gente. Nos tira dessa falta de ar e de luz, que se impõe, e nos coloca na beira do mar, de pés firmes, encantados. Na Bahia, onde a gente se desmonta. O trabalho todo de Litieh é esse, carregado desse país revelado pelo afeto, pela conexão com as ancestralidades, pelos ritos e melodias. Tudo cultivado num instrumental finíssimo e costurado com essa voz boa de se ouvir, voz com jeito de reencontro que essa artista te.

Ouvir Catiré é retornar a um Brasil não devastado, para crer na possibilidade de reativar esses centros nervosos da coletividade, da dança pé-no-chão, do que ensina os orixás e nossas avós, Brasil da viola e da roda, de samba, de coco, de ciranda, de maracatu. Escutando essas filigranas de Carité, penso no que estamos destinados a ser, como num sonho, para além de toda violência e desmando a que assistimos. Penso nessa praia na Bahia, ou Pernambuco, ou beira de rio no Pará. É o que somos. Litieh não me deixa esquecer.

Eu sonhei
Ver esse dia chegar
E eu pude, então
Morar na beira do mar

Escute Catiré (Na Bahia foi) nas plataformas de streaming!