+ Tays Melo na Kuruma’tá Revista Kuruma'tá, 25 de janeiro de 20223 de fevereiro de 2022 Crônica e poemas de Tays Melo Um brinde aos simplórios ludibriados! Ah, a ingratidão! Suspiro ao pensar. Um suspiro exausto, com olhos baixos, semblante perdido, desidratado e melancólico.Ah, a ingratidão… Esta coisa abstrata que embora esteja no outro é em nós que causa tanta dor. Há corações que não batem, mas não matam seu dono. O deixam perambular, mortos-vivos, incapazes de perceber a diferença entre agravo e doação. Corações secos, continuam lá, abrigando coágulos gélidos. E o seu frio é soprado sobre as almas quentes para rasgar seus mantos calmosos, cobertores dos desabrigados, desprotegidos, atirados à poça de cuspe dos ingratos. Às vezes é difícil ser alma quente, cobertor dos desalmados. Mas hoje, eu já não quero esclarecer nada a ninguém. Não quero falar com ninguém. Quero apenas descansar. Hoje eu só quero ficar quieta e quem sabe chorar. Choramingando uma lágrima por vez, escorrendo lenta e morna pela face como se, na verdade, não quisesse cair. Como se sentisse que quem a fez derramar, não merece que ela caia e cumpra o propósito da cura de uma doença que não está em mim. Ah, a ingratidão… Como arranha! Como fere! Ainda que não tenha nascido em minha ação, de um olhar meu, de meu desamor, nasceu de desatenção minha. Talvez por isso me sugue, tente me esvaziar, quando me deixa triste, solitária e sem acreditar. Porque a ingratidão sempre vem de onde não se espera, no risco, na entrega, simplesmente por doação, por mera razão de com o outro se importar. Um café, por favor. Hoje provei desse café amargo.Despejei naquela xícara verde-abacateE o vi cair lentamente, melódico,não expresso, expressivo, ardente. O som debulhando borbulhosoNo centro da queda negraQue formou o primeiro golearmazenado ao fundo.Sinuosa e emergente a fumaçaTrazendo o aroma da melancolia. Não consegui adoçá-lo.É cortante, imerso no amargorQue precisa ser alcançadoDesse café mal coadoQue não desce nem cedeE que me favorece travando à garganta. Desse café, desce caféDá esperança ameaçada de morteCompanheiro noturno das agoniasDo operário que pesca e não dorme. Café que acompanha a ilusãoDos poetas e estudantes contumazes.Esse café de 29, de sacas incendiadas,Atiradas ao mar pela esganação do mercadoOferecido aqueles com quem se quer fazer as pazes. Esse caféDa alma marcada que sangra na sombra.Degusto todo dia, alargando as sendasCom linhas costuras, retalhos e emendasNo abismo talhado que me assombra. Do aroma desce sabor, desce saberÉ forte, é quente, dói e sacia.Ferve, se eleva, se derramaEspalha seu pó, faísca na chama,Aquece o sol ainda que saídoDe um pote de água fria. A mesa do fascismo De orgulho em estilhaçosNos becos alguém grita, implora…O estômago colado aos espinhaçosDa criança raquítica que chora. Exala-se nas esquinas da estupidezA cobiça do helminto esganadoNos monturos chafurdados do burguêsEm eflúvio se arvora o escorralho. De suas almas,E do choroDo desespero,E do chorumeAvulta-se o espectro derradeiroFruta podreE estrume. Ruas frias, morros altos, becos úmidosCachorro, mulher, criança, homemArranham a panela com olhos túmidosEm ânimos trapaceados pela fome. Gatilho É fácil quando se pesao que é mais importanteE não se menosprezao peso de elefanteque esmaga a consciênciacom castigos torturantes. Nestas noites abrasivasLargue-se peso inocularna consciência puidade quem não soube validara fortuna auferidaque todos sonham alcançar. É gratificante serfiel a quem se deleitouDe suas alegrias e agrurasEngolindo sal do dissaborAo teu lado nas torturasTonturas das doçuras do amor. Não se dá constrangimentoA quem já sabe usar o nãoAo que só causa sofrimentoBanhos frios de afliçãoMágoa e arrependimentoNão se lava com sabão. Quem quer jogar ao nadadas ruelas espremidasde uma vida tão suadao amor de sua vida? Volta para tua casaAbraça os teus filhosBeija a boca da pessoaQue emenda os teus trilhos Abraça forte como nuncarevela teus sonhos exauridosPois ainda dá tempo, meu caroNão vá puxar este gatilho. Tays Melo | Areia -PB A AreiaCrônicaLeituraLiteraturaParaíbaPoesia
Belíssimas imagensbordadas com sensibilidade incrível. A dor e o encantamento bordados com a mesma navalha. Responder
Mara, que alegria ler isso de uma poeta de coração quente como você. Enche de cor minhas razões mais sensíveis para persistir. Responder