As praias estão desertas — A poesia de Kaio Phelipe Revista Kuruma'tá, 17 de maio de 20222 de junho de 2022 Poesia chegando nas águas da Revista Kuruma’tá. É o nosso inbox mágico, que sempre nos surpreende com criatividade e talento. Kaio Phelipe é do Rio de Janeiro e tem 24 anos. É autor dos livros Não existe pecado no lugar de onde eu vim, Para o homem descansando ao meu lado e Como cuidar de um girassol. Visita Da cozinha, vem gritando o meu nomecom urgência de descoberta na voze nas mãos traz uma colhercheia de geleia caseira de cajápra que eu prove pela primeira vez. O cheiro doce inebria os cômodos da casacomia muito disso na infância, dize reserva uma parte para que eu leve comigoe me sirva no desjejum seguinte. Prolongo a minha estadia e depois a minha partidao máximo que posso sem parecer ridículoparo alguns segundos no hall de entradae o namoro onze andares acimadessa vez com a mão estendidacomo quem diz que me ama na língua de surdos e mudos. No meu embarque, os últimos vagalumesdo mundo me observam no escuro da estação de tremencaram minha forma igualmente animalescacarne provisória e esfingemeu coração-torniquete de término e lamúria. E agora, homem? Ainda vivo do que a gente foi nessa ruadepois disso nada mais floresceuo Centro fica mais feio a cada horaantes havia um certo charme nissoagora a feiura alcança patamares absurdosquase tudo desertocheiros esquisitosfilas enormes de gente passando fomequase todos negrose não importa quantos políticos a gente desmascarehá sempre um que está por vir. Queimamos a faixa amarelaque delimita o fim do mundoe agora, homem?Nós que testemunhamos a existência das árvores, os animais e as salas de teatronossa revolta que ia ser transformada em um país melhormas o país foi por ralo abaixocomo o gozo de um homem no chuveiro e às pressas. Não somos mais os meninos sonhadoreselevando o amor ao máximohoje a gente transa sempre pela primeira vezcom algum menino bonito esculpido entre ferros de academiacomo uma máquinaque só fala de si e do intercâmbio em Dubline a beleza não era para ser um defeitohoje a gente senta em um desses bares hypados da Tijucaem ruas que não dão vontade de entrarhoje a gente desperdiça dois corações fartosem conversas chatas sobre propósitos de vida falhosque a gente conversa para não ficar fora da curvauma curva cada noite mais alinhada. Tudo faz de mim alguém que provavelmente não irá vencermas enquanto não me envergonho dissoé urgente que eu diga a você que tenho saudadese a Rua 20 de Abril está horrívelcomo Torquato Neto disse: aqui não tem mais nada da gentea literatura é a única que me abraça quando nada mais funciona [e já não é o bastante]. Quando cruzei a 20 de Abrileu queria que o menino ao meu lado fosse vocêe queria presenciar seu rostoquando se deparasse com o apocalipseentre o Hospital Souza Aguiar e a Casa de Swing Mistura Certae queria saber quais são suas pontuaçõesa respeito da aniquilação de toda mocidade e fé que um dia tivemos. Bichos raros Os dias que não nos falamosnão valem os cacos de vidroo sangue pingado pela casafaço planos de vingançame masturbo pensando em outrovenço as batalhas sozinhoinvalido quando estivemos juntose depois me arrependofico sentado bem vestidoacompanho o final da novelavinho em uma mão caso eu te esqueçae celular na outra caso você liguequando o tranco apertae sua saudade nos arma um encontrovou forte feito um tourocom um sorriso de quem venceuporém falso e estagnadoabstêmico do cheiro do teu sexode preparar sua roupa pela manhãenvergonhado corro ao banheiro e me masturbotento expurgar o desejo que sintomas falhoe morro prematuro como um louva-a-deus. Os perdedores Suspenderam a fabricação de biscoitos Globoas praias estão vaziasassim não há como saber o que pensam os homensque enfrentam o horizonteocasião favorável somente para as infiltrações nas paredesno lado matéria dura, o mesmo cheiro de mofo e ameaça em tudoo cenário é cadavéricoplantas de plástico se conservam cobertas de poeirae eu sei que se tivesse te encontrado naquele sábado a noitenada disso teria acontecidotoda estação acho que minha rosa do deserto vai morrer na próximaestou de malas prontasde acordo com meu tio, o homem mais sensato que já conhecisó é possível ser feliz até os trinta e cincopara mim faltam alguns anospara você um pouco menosjá quis que fosse verdade que não há tempo para perdercom memóriasrecriar o mundo através de narrativas modernasprecisar de outros inícioso que não quer dizer adiar a época das tangerinasabandonar alguém é a verdadeira desventuraperder a cumplicidade tambémmas aí a minha ignorância e a minha impaciência o que mais sei sobre o dia de hoje15 de maioé que fundaram a expectativa em 92não tenho memórias desse anose vim até aqui,foi graças à crise híbrida,a educação pela tragédiamas veja que não estou muito bem você achou que eu ficaria tranquilo no mundoagora veja com seus olhosna vida a gente comete dois ou três erros grandese temos dois ou três amores inesquecíveisentão faça as contasse eu fosse fiel às minhas promessasteria visto o extraordinárioteria sido o paraíso, não sóchegado pertoo primeiro dia de saudade é o mais tranquilodurmo a maior parte do tempomesmo que já tenha perdido todas as possibilidades de descansodaqui a nove luas, não seinão há mais nada que mude radicalmente minha vidapara acariciar meu coração e expurgar meus fluidos,restaram edições G Magazine 2005 e poesias de Anderson Herzer. Kaio Phelipe é do Rio de Janeiro e tem 24 anos. É autor dos livros Não existe pecado no lugar de onde eu vim, Para o homem descansando ao meu lado e Como cuidar de um girassol. A PoesiaPoesia brasileira