Quatro poemas do Sertão Novo Revista Kuruma'tá, 24 de maio de 20222 de junho de 2022 Poemas de Wellington Silva Foto: Santiago Manuel De la Colina | Pexel A alma dela é terrosa A alma dela é terrosaComo o chão da fazendaAo pé da Serra GraviolaA alma dela é terrosaE é aí que a flor floresceQue a muda cresceE um néctar seduzA toda sorte de voadores(Eu, vocês, nós e eles!)Quantas vezes morrerei?A alma dela é terrosaE eu afundo as minhas mãos aíDesenho em sulcos simétricosPor desenhar, somenteE depois vou-me emboraLevando o restante de mim sobre as costasA alma dela é terrosa, sim, de argila fina…E um cordão de prataMe arrasta de volta e despertoDesviro-me ave, sapo, lobisomem,E me pego com o rosto colado nelaÀ balada pequena de um rádio de som abafadoMinha barba antiga retém areiaMinhas mãos tremulam em seu corpoE é igual a morte de aroma verde e cortanteDe grama rasteira que o demo rebenta Dois lugares Dizem que o tempo passaNuvem que ninguém percebeArco, arcabouço, fumaçaUm ardor de amor perene O campo cheio de aguerridos homensOs estandartes, as lançam não cansam,e nenhum grande fim ao nosso sangue, nuncaO vento quente e a poeira fina roem os nossos olhos O herói é só mais um ser meio cegoe que chora às primeiras notas da cançãoEnvolvido em paixão confusa, esqueceu a própria mãe E após, eu sempre digo — Assenta-te aqui,amigo antigo! Conversemos! A palavra é abrigoe o fogo não cessa de queimar em nossomeio, amolecendo o ferro das espadas Pele de argila viva a pele furta-cor do homo universalisno último discurso bendito da paz(cê ouviu?)parece a pele de plástico de um replicante as mãos gigantes dos serventes de portinarias três filhas da noite em as parcas de goya a fuligem do archote de prometeu todas estas cores têm a sua base no vermelho … a carne mesma retém essa luz oval da vidaque se pinta e que se diz e anseia existir em paz quando dá… mas aqui também habitam certas moiras(notamos serem todasamantes dos coronéis) voar — de uma imagem em ilford b&w assombrosa no meio mais entremeado da caatingano gris mais intenso da matano alto mais alto da serra craunão derradeiro profeta çampancênuma gruta contra o vento lutanum movimento frenético de braços o pó dos tempos no hiato das cigarrasexistencialismo revelatório (dmt) novo mundo jurema pretao profeta é liberto/repletoas epifanias das formas arcaicasum alfabeto na textura dos lajeiros/o saúda um anu-preto-deusa loucura de entrever o divino corre o profeta! seus pés de fogo/sua voz fanha aguda grita aboiar — arêrêêêêê!… arriááááá!… arriarrááááá!…arroiôôôô!… rááááááiiiii!… irraiááááá!…arêrêêêêê!… e o céu se abre na palma da sua mão vasada Wellington Amancio da Silva é professor da rede pública, músico e mestre em Ecologia Humana. Publicou livros de ficção e de ensaios. Publicou-se dezenas artigos acadêmicos em revistas especializadas. A convite contribui à equipe editorial da Revista Utsanga — Rivista di critica e linguaggi di ricerca. Fundou as Edições Parresia em 2019. Destacam-se Ontologia e Linguagem (2014), Figuras da indiferença (2019), Gumbrecht leitor de Martin Heidegger (2020), o reneval (2018), Primeiros poemas soturnos (2009), Apoteose de Demerval Carmo-Santo (2019), Os outros, sertão de argila escura (2021). Há publicações avulsas nas revistas Mirada, Ruído Manifesto, Germina, Gazeta da Poesia Inédita (Portugal), Magma (USP), Revell (UEMS), Letras Raras (UFCG), Literatura & Fechadura, Aboio, Diverso Afins, 7Faces, Eutomia (UFPE), Sítio (Portugal), Tyrannus Melancholicus. A PoesiaPoesia brasileiraSertão