Enfim fevereiro no Rio de Janeiro

Crônica de Toinho Castro

Foto de Toinho Castro

Menina, cheguei nessa cidade num fevereiro. No dia 9, dia do frevo. As águas são de março mas fevereiro não tem pra ninguém. A luminosidade, o calor, o vuco-vuco do Saara e o mar se despejando sem vergonha nas areias dessas praias lotadas, imaculadas, do Leme ao Pontal. Gente chegando, gente pra lá e pra cá, de ônibus, no trem da Central, girando em torno do Parque de Santana, da Carioca, do Mercadão de Madureira, da igreja da Penha, de onde se vê o movimento, o tiroteio, a violência, o louvor e o Rio de Janeiro se espalhando como um curto-circuito descontrolado na superfície desse planeta novo e ingênuo. Uma cidade assim, que aterrou lagoas, rios, se esgueirou em encostas, por entre rochas paleozóicas, dilacerada de florestas e manguezais. Uma cidade de gentes, porque nunca uma cidade foi tão entranhada das pessoas, como se fossem, gente e cidade, e são, um organismo só. Uma cidade de onde a gente vê ilhas flutuando na linha do mar, feito miragens.

Uma cidade assim que da primeira vez que foi, foi amor e vontade de ficar, de nunca mais voltar. Tanto que anos se passaram, mais de duas décadas até eu me reconciliar com o Recife que deixei acolá. E hoje, nesse primeiro de fevereiro, véspera de Iemanjá, as duas coabitam meu coração agitado. Porque em fevereiro, esse mês em que nasceu minha irmã, em pleno carnaval do Recife, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro se avoluma, não cabe em si de vaidosa e afetiva e calorosa, dada às amizades e aos encontros e poemas que são as pessoas trocando olhares e números de zap e marcando um chope, um abraço, um beijo pra já, porque fevereiro urge. Porque fevereiro é curto como uma explosão em câmera lenta, espalhando estilhaços pelo ano inteiro.

Como eu amo fevereiro, como eu amo o Rio de Janeiro. Digam o que disserem eu não arredo daqui o pé, não arredo daqui o peito em que inspirei esse ar que vem das matas, do mar, dos automóveis na presidente Vargas a todo vapor, perdidos como num formigueiro em que choveu. No dia em que remei até as Cagarras e dali te vi, Rio de Janeiro, e dali contemplei seu recorte contra o azul do céu, me perguntei dos que primeiro te viram e lembrei de Gil:

Rio de Janeiro
Bela Guanabara
Quem te viu primeiro, pirou

Eu nem fui o primeiro e pirei quando te vi, e ando por aí pirado de ti. Não nasci no Rio, mas de onde mais eu seria, senão daqui?