Independência Poética: Roberta Lantyer

Independência Poética é uma série de entrevistas realizadas por LORENA LACERDA

Poeta de hoje: Roberta Lantyer

Roberta Lantyer tem 32 anos. É soteropolitana e bancária por sobrevivência, bacharel Interdisciplinar em Artes e mestra em Literatura e Cultura pela UFBA. Não vive sem café e antes dele não é boa companhia. Gosta livros, trilhas e de água: seja do rio, do mar ou da chuva. Escreve para desopilar e deixa-se fluir no papel. Escreve porque a tarefa de tentar entender o mundo parece menos insana na palavra desenhada. É autora da Newsletter (gratuita): “Poesia se vende”. Publicou sua primeira poesia na antologia bilíngue da Editora Lura, “Onde Canta o Sabiá” (2022). Faz parte da equipe de poetas do Portal Fazia Poesia, disponível no medium.com. Além de Um aguaceiro só, em pré-venda pela editora Toma Aí Um Poema, quer publicar um livro infantil e ser levada para onde mais a palavra resolver lhe guiar. Enquanto isso, aproveita o caminho e tenta não se perder.

O que te inspirou a começar a escrever?

Quando era criança, gostava de criar histórias, escrevia grandes redações que, naquela época não sabia, mas já eram contos. Durante a adolescência gostava de escrever diários, mas a literatura, após alguns bloqueios gerados por livros escolares obrigatórios que não eram apropriados para a minha idade, havia deixado de ser uma paixão. Comecei a escrever e tive a certeza de que essa paixão havia retornado, sem chances de ir embora, na universidade, na aula de criação literária da professora doutora Lívia Natália. A paixão pela poesia em Lívia é tão intensa que contagia e sinto que foram as aulas dela que desenterraram em mim um amor pela palavra que sempre esteve lá. As aulas de Lívia Natália foram as águas que faltavam para renascer as flores poéticas plantadas na infância.

O que você faz quando percebe que está com bloqueio para novas poesias?

Eu tento entender que tudo que é vivo é cíclico. Então, procuro não ficar ansiosa com o que parece ser um bloqueio criativo. Acredito que quando o poema não aparece, é porque a palavra é viva e o que é vivo precisa de tempo para ser. Audre Lorde, em A poesia não é luxo, fala da “poesia como iluminação, pois é através da poesia que damos nome à quelas ideias que – antes do poema – não têm nome nem forma, que estão para nascer, mas já são sentidas”. Eu acredito que o tempo sem o poema é o tempo da palavra sendo gestada. A poesia vem antes do poema e a poesia está sempre lá. Então, nos tempos sem poema, eu quero manter a poesia viva, eu exercito a curiosidade pela vida, estudo, faço cursos com outras poetas e artistas, eu assisto filmes, escuto música, eu vou à praia, eu simplesmente vivo. De repente (ou não) o poema nasce. Sinto, existo, vivo e, só depois, nasce o poema.

Seu maior sonho como escritor(a)?

Meu maior sonho é fazer minha poesia ser levada para mais leitores e que ela toque as pessoas. Quero que a minha poesia seja viva e movente.

Assunto preferido de escrever?

Talvez eu não tenha um assunto preferido, mas costumo ser muito inspirada pelos mistérios e pela beleza das águas.

Um elogio para sua própria escrita?

Minha escrita é fluida.

Já publicou algum livro? Quais? Caso não, tem planos?

Meu primeiro livro de poemas, “Um aguaceiro só”, está em pré-venda pela editora Toma aí um poema e será publicado em breve.

Quais inspirações do cotidiano despertam sua escrita?

As minhas dores e as que são do mundo e me atravessam, normalmente precisam escoar para o papel. A observação da natureza e de tudo que é vivo também despertam poesia em mim.

Qual dos seus poemas mais te define?

É uma pergunta difícil, acho que tenho muitos poemas que dizem muito de mim, mas ao mesmo tempo, penso que, como tudo que é vivo é cíclico, o poema diz de mim no momento que é escrito e talvez daqui a pouco tempo, já eu mesma já seja outra. Por isso, acho que se tem um poema para exemplificar isso que digo e o que sou, seria Páura.

Paúra

De todos os medos que tenho
o de calar é o pior,

ainda que eu lhe pareça tímida
ainda que meu sangue congele ao abrir a boca
ainda que minha voz tenha o som da batida do meu coração

ainda assim,
o silêncio é a minha versão mais terrificante.

Como pedras que me enfiaram goela abaixo,
o silêncio é da ordem das coisas imóveis.

Eu tenho medo daquilo que petrifica,
não do que aterra;
aterrar é fazer raízes
crescer pra cima
frutificar.

Petrificar é parar
e eu me arrasto como rio.

Se a palavra não emergir,
afundo-me
alago pra dentro.

Movo-me,
ainda que seja em direção ao abismo.

Qual a parte mais fácil e mais difícil da escrita para você?

A parte mais fácil da escrita é passar para o papel o que se sente. Depois disso vem o trabalho de fazer do sentimento, poema, trabalhar a palavra, a música da palavra. Mas acho que a parte mais difícil não é o trabalho com a palavra, mas a divulgação. Não sou fã das redes sociais e para mim o mais difícil é criar conteúdo e tentar fazer chegar para mais pessoas, entendendo que existe um algoritmo por trás do que tento divulgar.

Qual sua obra favorita de outro autor(a)?

Poemas da recordação e outros movimentos, de Conceição Evaristo.


Um livro de Roberta Lantyer

Nome da obra?

Um aguaceiro só.

Quando e em qual editora foi publicada?

Em pré-venda pela editora Toma Aí Um Poema.

Existe um tema central nos seus poemas/poesias? Qual?

Digamos que a água é personagem principal.

As poesias são divididas em fases nessa obra? Se sim, o que te motivou a fazer isso?

O livro Um aguaceiro só é separado em três partes: Nascente (ou O olho-d’água); Estuário e Oceano.
Em resumo, em penso em escoar silêncios nesse meu livro de estreia. Para isso, dividi o livro em três partes pensando não em início e fim, mas em ciclos.

O que te incentivou a escrever esse livro?

O desejo de me afirmar enquanto poeta e finalmente escoar todos os meus silêncios para, quem sabe, inspirar outras pessoas a perceber a poesia que pulsa na vida.

É possível destacar uma poesia que mais se assemelha a seu cotidiano?

Acho que “Respira” é um bom poema para exemplificar um exercício cotidiano de acalmar as ansiedades e acolher as fases, inclusive os silêncios.

Respira

acolher palavra
deixar tudo em calma
ainda que não haja nada
acolher a palavra que falta
a palavra que se arrasta na relva
que vira limo na pedra
fazer ficar em paz
a palavra

A sequência dos poemas conta alguma história?

Sim. “Um aguaceiro só” foi pensado para fazer mover a palavra e poeta. Então, a primeira parte, Nascente – ou Olho d’agua, é onde a palavra e a poeta se mostram ao mundo. Onde minam poemas-raízes. A segunda parte, Estuário, é onde as águas de encontram, nessa parte do livro a palavra ganha um erotismo próprio das pororocas. A terceira parte, Oceano, é a desembocadura, mas jamais o fim, nessa parte do livro existe dor, mas existe principalmente o desejo de que a palavra pulse ininterruptamente em direção a um novo mundo.

Existe algum posicionamento político ou cultural na obra?

Em tudo que sou e que escrevo existe política. Então, esse livro é político, escrito por uma mulher baiana que deseja na literatura e na vida mais encantamento e mais liberdade.

Qual a relevância dos personagens implícitos/explícitos da obra?

Acho que a água é a “personagem” principal desse livro de poemas e sua relevância está na própria constituição do livro como ele é e como ele quer ser para as pessoas que vão lê-lo.

Qual a poesia mais marcante desse livro?

É uma pergunta difícil, mas acho que Paridura pode ser um dos poemas mais marcantes do livro.

Paridura 

a palavra 
que me falta 
aqui entalada 
presa na garganta 
onde o ar passa devagar 
a palavra que 
me falta 
nesse mundo 
insano 
entre a pele e a carne 
se movimenta 
dura 
seca 
afiada nos ossos 
a palavra que me falta 
gestada em muitos ventres 
expulsa 
peixeira 
rasga 
sangra 
e grita 
como criança  
parida