Texto de Eduardo Frota
Naquela noite, demorou os três acordes da última música para que os dois fixassem os olhares de uma maneira que, sabiam, seria única. Fagulhas, centelhas, as agruras das velhas canções de amor. Estavam no mesmo lugar, na mesma hora, no mesmo compasso. No entanto, malogravam em cruzar os passos. Seguiam diagramas mentais, nas quais marcas de sapato indicavam direções. Dançarinos solitários, completamente descompassados por uma ordinária perda de tempo. Ele num canto, ela no outro, ambos descontentes. Enquanto cruzavam o salão, em plena rota de colisão, fez-se silêncio.
O baile findou-se em um frêmito.
Ainda assim, sem música, dançavam, os dois. Cada qual desejando um recital inteiro. Os olhos também se mexiam, querendo ver de perto uns os outros. Bailavam uma sinfonia inteira que mal cabia na partitura de suas vidas, uma composição com abertura e elegia. Os pés exasperados, as pernas soltas, os quadris exagerados e quase trôpegos para chegar ao outro o mais breve possível.
Quando ele estendeu o braço para amparar a cintura dela, foi surpreendido por um rodopio que ganhou velocidade e, em frações de suspiros, a afastou para outro flanco. Ela virou a cabeça antes do dorso para enxergá-lo melhor. De novo, os olhares à procura. Evoluiu desairosamente em meio ao silêncio e, quando seus ombros esperavam ser laçados, os joelhos dele comandaram uma mudança de direção.
Agora, além da música, a luz começava a desbotar as paredes. Tateavam muros invisíveis com cuidado para não deixar a dança se apagar de vez. A coreografia da vida mantinha os corpos abertos ao contato, com as pontas dos dedos feito antenas para captar a presença do outro.
E quando se cruzaram novamente, puderam sentir as respirações se embaralhando despudoradamente. Os dois cerebelos comandaram uma descarga pelos corpos, dos pés aos cabelos. Mas ninguém foi testemunha de que se tocaram – apenas com a ponta das unhas. Eles ainda dançavam no escuro, às escuras, mas não cessavam a procura. Como dançarinos incansáveis, mantinham uma donairosa postura.
É que esse tipo de dança não se encontra transcrito em partitura. Nenhuma.
“E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.” (Friedrich Nietzsche)