Outra dimensão: O disco da minha amiga Marina Lutfi

Texto de Toinho Castro


Não vou escrever sobre esse disco, Outra dimensão, fazendo de conta de não conheço Marina. E a história peculiar desse encontro, desse conhecimento, é literalmente coisa de cinema. Em certo sentido, é também musical, porque se deu por conta de uma música, Bichos da noite, escrita pelo seu pai, Sérgio Ricardo, sobre poesia do pernambucano Joaquim Cardozo, no seu livro O Coronel de Macambira: bumba meu boi, em dois quadros, de 1963, e o filme Bacurau, de Kleber Mendonça Filho. Mas essa história, por demais contada, eu relembro de outra feita, pra não perder o rumo dessa prosa. Basta dizer que eu e Marina nos conhecemos por meio de um amigo em comum, o Christiano Calvet, que nos colocou em contato.

Estávamos eu e o Chris na Adega Pérola, celebrando nosso reencontro, depois de muito tempo, e comentamos a tal história que envolve Sérgio Ricardo, Bichos da noite e Bacurau. E ele emendou: Você precisa falar com Marina! Pegou o telefone e ligou pra ela, ali mesmo, na muvuca do bar, entre sardinhas e chopes. E tudo isso é pra dizer que a primeira presença de Marina na minha vida, foi a voz.

Eventualmente a gente se encontrou pessoalmente, trocamos ideias, papos, e consolidamos uma amizade maravilhosa. Nesse meio tempo veio a pandemia, eu lancei livro, seu Sergio, pai de Marina, nos deixou e deixou esse buraco na música brasileira. Marina botou pra frente e pra cima, com muita bravura, o projeto Sérgio Ricardo Memória Viva, dando norte e sentido à vasta obra do pai… e lançou um disco. Primeiro um single, Barravento, no aniversário de um ano da morte do pai. Auspicioso. Vibrei! Ela e o irmão, João (Gurgel) mandaram ver, com duas interpretações singulares de músicas de SR.

Mas não era só isso, não que fosse pouco, e agora Marina Lutfi solta seu discaço nas redes, pra todo mundo ouvir. Outra dimensão é um disco da felicidade. É o disco de um país que vai escapando pela tangente, da Covid, dos desmandos de um governo violento e autoritário. É um disco da beleza, do encantamento e do encontro. Com três músicas de Sérgio Ricardo, Barravento, Cacumbu e Esse mundo é meu, sendo essa terceira uma parceria com Ruy Guerra, o disco presta tributo a esses dois, em que se mistura cinema e música, na narrativa de um Brasil destemido. E ainda tem Julio Dain abrindo a audição com a música título e No meio da escuridão, Arnaldo Antunes e Perícles Cavalcanti com Quase tudo, Rodrigo Maranhão, com merecido Grammy Latino por Caminho das águas, em 2006, entra com sua Milonga, e essa dupla constelar, João Donato e Pàulo César Pinheiro, com Ahie, gravado por Donato no seu disco Quem é quem, de 1973.

Eu podia parar aqui, porque já deu a dimensão imensa, luminosa, de Outra dimensão. Mas tem um povo ali, num instrumental sinuoso, ousado, límpido e um monte de adjetivo que eu, enquanto escuto besta o disco, poderia enumerar. É gente que gosta de música, que gosta de enveredar pela música, feito floresta. Instrumentistas de primeira grandeza, e a gente pode sentir o quanto estão à vontade nos arranjos, o quanto tudo é uma construção muito rica, em que cada um bota o melhor de si na maior alegria. Daí o equilíbrio, de uma música que conduz à outra naturalmente, sem desvios ou desvãos, sem hesitações. Porque o disco conta essa história, uma história contra o desânimo, a descrença. Contra a maldade.

E ligando tudo isso, o tecido da voz bonita de Marina. A mesma voz que ouvi naquele telefonema em que nos conhecemos, lá em maio de 2019, quando ninguém imaginava o tanto que ainda ia acontecer no mundo. E desse tanto que aconteceu, deu-se Outra dimensão, um disco para um Brasil muito melhor!

Não é porque sou seu amigo não, Marina… mas que disco danado de bom!

ESCUTE NAS PLATAFORMAS!

Uma possível contracapa se o disco fosse o LP que a gente adoraria que fosse!

Direção e produção musical: Flávio Mendes
Produção executiva: Marina Lutfi
Assistente de produção: Paula Marques
 
Arranjos: Flávio Mendes e Henrique Band
Músicos: Flávio Mendes, João Gurgel, Henrique Band, Marcelo Caldi, Alexandre Caldi, Guto Wirtti, Carlos Cesar, Carlos Pontual, Lui Coimbra, Domenico Lancelotti, Marcos Suzano, Levi Chaves, Diogo Gomes e Everson Moraes.
Coro e palmas: Isabela Ciavatta, Rosa Ciavatta, Daniela Nunes e Lucas Ciavatta
Participação especial: Sérgio Ricardo
 
Gravação:
David Brinkworth no Studio Aurea, em julho de 2015 e no Sambatown Estúdio em agosto de 2015.
Rodrigo Ramalho no Plaza Hi-Fi Estúdio em janeiro de 2017.
Carlos Fuchs no estúdio Tenda da Raposa em agosto de 2017 e julho de 2018.
Todos no Rio de Janeiro.
Mixado e masterizado por Carlos Fuchs no estúdio Sá da Bandeira, em julho de 2021, no Porto, Portugal.
 
Capa:
Foto: Michel Schettert
Design: Marina Lutfi
Realização: Cacumbu
Distribuição: Nikita Music Digital
Assessoria de imprensa: Belmira Comunicação
 

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