Independência Poética é uma série de entrevistas realizadas por LORENA LACERDA
Poeta de hoje: Daniela Rezende
Daniela Rezende é escritora e artista educadora. Bacharela em história da arte pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e mestra em letras pela Universidade de São Paulo (USP), nasceu e mora em São Paulo. Publicou textos em revistas virtuais e zines. Teve um videopoema apresentado no 4º Concurso de Videopoesia da Desvairada – Feira de Poesia de São Paulo (2020). Integrou o Curso Livre de Preparação de Escritores – CLIPE, pela Casa das Rosas (2021). Pela editora Urutau, lançou Uma mulher só não faz verão (2022).
O que te inspirou a começar a escrever?
Questões pessoais, relacionadas a processos de autocompreensão com os quais eu não sabia lidar muito bem. Eu estava com vinte e oito anos quando comecei a escrever – e a publicar nas minhas redes sociais os textos que eu escrevia – e passava por uma grande crise de identidade, advinda do término de um casamento, da finalização de um mestrado e do desemprego, por consequência.
O que você faz quando percebe que está com bloqueio para novas poesias?
A questão do bloqueio é sempre uma dificuldade. Em geral, eu tento lembrar que ele é uma fase, algo temporário, e ficar tranquila com isso. Se o bloqueio vem quando estou no meio de um projeto, eu tento trabalhar em outras frentes: na continuação das pesquisas para a escrita, de forma a me alimentar o máximo possível sobre aquele tema ou aquela estrutura poética que venho desenvolvendo, ou na releitura e reescrita do que já foi feito.
Se, por outro lado, o bloqueio vem em um momento entre projetos, tento não me preocupar tanto e escrever um pouquinho a cada dia, nem que seja uma frase ou um verso, sobre qualquer coisa. Isso tudo apenas para manter a escrita e a atenção para a escrita sempre fluindo.
Seu maior sonho como escritor(a)?
Não sei responder exatamente. Talvez meu maior sonho como escritora tenha algo a ver com o reconhecimento público da minha atividade, da minha obra e daquilo que escrevo.
Assunto preferido de escrever?
Gosto de escrever sobre mulheres, sobre suas vidas interiores e perspectivas. Também gosto muito de escrever sobre animais e bichos – provavelmente, pois adoro a parte da pesquisa que envolve conhecer mais sobre a natureza.
Um elogio para sua própria escrita?
Um elogio recorrente que a maior parte dos leitores faz em relação à minha escrita é o de que ela é muito forte e muito cortante. Tenho a impressão de que as pessoas verdadeiramente não esperam por isso, por essa contundência, quando me conhecem.
Já um dos elogios mais recentes que uma pessoa em uma live de poesia disse – e que me deixou muito feliz e reflexiva – é o de que minha poesia é inovadora. Eu não sei se compreendo exatamente o que aquela pessoa quis dizer naquele momento, mas considero um grande elogio para um escritor.
Já publicou algum livro? Quais? Caso não, tem planos?
Sim, publiquei um livro de poesia chamado “Uma mulher só não faz verão”, em 2022, pela Editora Urutau.
Também participei de uma antologia de contos para mulheres escritoras no ano de 2022, organizada pela Editora Primata. A publicação se intitula “Cartografias – vol. 1: contos de autoras brasileiras”.
Por fim, em 2023, aguardo a publicação da plaquete de poesia “Mãe fantasma”, uma vez mais pela Editora Primata.
Quais inspirações do cotidiano despertam sua escrita?
As coisas que sonho, as coisas que sinto e as coisas que observo no dia a dia. Essas são as minhas principais inspirações para escrever.
Contudo, uma grande parte dos meus poemas vem daquilo que roubo de tudo o que está ao meu redor, cotidianamente. Assim, as histórias que os amigos me contam, os programas de televisão, um trecho de um livro, uma fala em um podcast: tudo acaba virando material bruto para a escrita.
Qual dos seus poemas mais te define?
Todos eles, sem exceção.
Qual a parte mais fácil e mais difícil da escrita para você?
Acredito que iniciar e terminar um poema é, ao mesmo tempo, a parte mais fácil e a mais difícil da escrita. Mas isso depende muito do dia.
Qual sua obra favorita de outro autor(a)?
Tenho muitas obras favoritas e a maior parte delas é formada por romances. Costumo dizer que o meu livro preferido do mundo é “A insustentável leveza do ser” (1983), do escritor tcheco Milan Kundera. Jamais superei a leitura dessa obra.
Um livro de Daniela Rezende
Nome da obra?
“Uma mulher só não faz verão”.
Quando e em qual editora foi publicada?
Em 2022, pela Editora Urutau.
Existe um tema central nos seus poemas/poesias? Qual?
Sim, os temas centrais dos poemas deste livro são: mulheres, bichos, corpos e violências.
As poesias são divididas em fases nessa obra? Se sim, o que te motivou a fazer isso?
Não, elas são organizadas a partir das relações temáticas estabelecidas entre os textos.
O que te incentivou a escrever esse livro?
O fato de que eu estava fazendo um curso de escrita, o CLIPE – Curso Livre de Preparação do Escritor, oferecido pela Casa das Rosas em São Paulo, SP.
Como, ao longo do curso, estava produzindo muito e conversando com outros poetas, todas as semanas, a ideia de organizar esse livro foi tomando corpo aos poucos e passei, então, a escrever e a pesquisar para a escrita com mais consciência e intencionalidade.
É possível destacar uma poesia que mais se assemelha a seu cotidiano?
Acho que não. Todas partiram de algo muito específico e, sem dúvida, ligado ao cotidiano.
A sequência dos poemas conta alguma história?
De alguma forma, sim. Contudo, essa história – ou histórias – não deve ser lida e entendida de forma linear, progressiva, mas, sim, circular, cíclica.
Existe algum posicionamento político ou cultural na obra?
Sim. Não apenas nessa obra, mas em tudo o que eu faço, seja na literatura, no meu trabalho como educadora em museus, ou na minha faculdade e formação acadêmica, existe uma posição política bastante clara de minha parte sobre os feminismos e as questões raciais e de gênero que me tocam profundamente.
Qual a relevância dos personagens implícitos/explícitos da obra?
Eu adoro contar histórias. Logo no início do livro há, por exemplo, um poema intitulado “mugido”, no qual incluo a personagem Paulo, um açougueiro. Essa personagem vive se repetindo nos meus textos, inclusive se desdobrando para além da poesia, em contos e em trechos de prosa que venho produzindo. Penso que a relevância dela para a minha obra é, ao mesmo tempo, simbólica e material e pode ser compreendida como uma encarnação da própria violência que acomete determinados corpos em nossa sociedade.
Qual a poesia mais marcante desse livro?
Para mim ou para os leitores? Para os leitores, eu diria que alguns dos poemas mais marcantes são “mugido”, “a buceta da brasileira vale menos do que o kg do feijão”, “georgia” e “poema das pernas que abrem”. Já para mim, é impossível apontar um texto só.