Texto de Toinho Castro
A ideia surgiu porque amavam de música. Criaram então a MentalMusic, que ocupava um pequeno galpão numa fábrica abandonada, na estrada das Imbiribeiras, na cidade do Recife. A primeira versão do chip surgiu no ano de 20?? e foi implantada no próprio Luisinho Marques, engenheiro e fundador, que passou dois ou três dias ouvindo ruídos e estática. O progresso foi lento e muito dificultado. O raio de alcance das antenas era pequeno e a primeira música só foi efetivamente transmitida dois meses depois, numa tarde que entrou para a história.
Luisinho atravessou a movimentada avenida e ainda escutava a música que parecia entremeada aos seus pensamentos. O incômodo inicial passou depois de alguns dias e logo ele conseguia realizar suas tarefas cotidianas enquanto o servidor central transmitia-lhe ininterruptamente um set de 12 horas de música, de vários estilos. O chip fazia o seu papel. Além de receber os arquivos musicais e transmiti-los diretamente ao cérebro, fazia um mapeamento das ondas cerebrais e associava as canções às atividades e estados de humor do seu portador, criando assim uma verdadeira trilha sonora para os mais variados momentos que um dia pode oferecer.
O próximo desafio seria implantar os chips em mais de um voluntário, dois ou três no máximo. O software gerenciador teria que interpretar a relação de interação entre os três, decodificar seus estados emocionais e provê-los da mesma trilha sonora, a partir do cruzamento dos perfis que seriam traçados desde a ativação dos chips em cada um deles.
Essa era a promessa, o éden… o cerne da ideia da MentalMusic Entretenimento.
O resto da história é que a MentalMusic tornou-se uma mega-corporação multifacetada com sede nos mais recônditos lugares da Terra. Suas antenas espetavam desertos, planícies geladas e cumes inatingíveis. Implantou, por uma módica taxa, seus chips musicais em vastos contingentes da população mundial, sem discriminação de credo, raça ou posse.
Uma assinatura mensal garantia acesso ao maior banco de músicas já criado na história do planeta, movido a poderosos servidores que funcionavam 24 horas por dia transmitindo arquivos musicais para cada indivíduo conectado ao sistema e analisando os relacionamentos entre as pessoas, de duplas ou casais a grandes grupos, para gerar estados musicais coletivos.
As estações de rádio foram as primeiras a sentir as mudanças que ameaçavam ser profundas. Logo todo um sistema econômico baseado na produção e veiculação de música por meios tradicionais (incluindo a troca de arquivos pela internet) entrou em colapso, sucumbindo à rápida transformação dos hábitos. Pouco a pouco, pela força de escutá-las, as pessoas foram deixando de fazer músicas, de compor, e duas gerações bastaram para que não existissem mais músicos. As canções passaram a ser criadas por avançados sistemas de inteligência artificial.
Esses sistemas compunham “inspirados” pela rotina dos usuários, seus perfis e pelas músicas que mais se combinavam com suas emoções. Também misturavam de forma harmônica músicas que já existiam, modificavam arranjos e imitavam estilos de compositores que já não podiam reclamar de plágio.
Há também que se levar em conta que compor ainda mais músicas nem era tão necessário assim, uma vez que para cada pessoa, considerando o ciclo de vida de um ser humano, havia já uma quase infinita variedade de temas para o que quer que ela viesse a viver ao longo dos seus dias. E naturalmente certas canções eram recorrentes na vida de um indivíduo, repetindo-se ao cabo de também recorrentes emoções. Não era possível, na verdade, selecionar as músicas que estariam tocando dentro da sua cabeça mas uma série de questionários online, se devidamente preenchidos, ajudavam a definir cada vez melhor o perfil de um usuário para não frustrá-lo com músicas inadequadas ao seu estilo de vida, idéias e paixões.
Publicado originalmente no blog Subliteratura – Este blog não existe, em 12 de dezembro de 2007