O Como do Como. Uma noite com Ynaie. EU COMO VOCÊ. Comida É. Comida fui – Revista Kuruma'tá, 2 de outubro de 202011 de março de 2021 Texto de Lu Lessa Ventarola Ynaie Dawson – Foto de Augusto Fernades Uma terça de outono; noite em COIMBRA. LINHA DE FUGA. Fui ao Tricanas, misto de associação de dança folclórica e restaurante, assistir a uma performance da artista Ynaie Dawson. Uma yansã em corpo de menina. ‘Quer alguma ajuda Yna?’, perguntei ao chegar, a vendo andar, calma e seriamente, entre a cozinha e o salão. ‘Quero que se sente à mesa’, falou firme e sorrindo. E colocou não só a mim, como a todos, sentados, feito meninos e meninas, em almoço de família. Na mesa comprida as conversas cruzavam-se animadas. Ynaie passa por cada um (e éramos muitos) perguntando sobre o que queríamos beber: água, cerveja, vinho tinto ou branco? Não estava anotando em lugar nenhum e pensei comigo “vai lembrar-se?”. Os seus dedos dobravam-se, sem muito alarde, em uma coreografia estranha de anotação e … pronto, logo depois chegaram as bebidas conforme os pedidos. Esses dedos…! Estes mesmos, com suas duas respectivas mãesmãos, trouxeram as comidas, que iam logo para as bocas tão curiosas quanto prazenteiras. Antes eram paisagem para os olhos – com suas formas e cores. Sensório. Sensual. Isso tudo se deu – das entradas à sobremesa – em sequência e ritmo. Na boca a comida entrou exigente, quis ocupar espaços e acionar diferentes papilas gustativas – tudojuntomisturado. Satisfez. O molho com pimenta fincou bandeira. Lambuzou. Havia um êxtase coletivo, mas falo por mim e posso falar assim porque a mesa e a comida nos devolvem a nós mesmos. Mesmo que diante do outro -e com o outro- o ato de comer nos lembra que somos também matéria singular e precária. Precisa de cuidados. Ynaie não falou de arte, não usou frases bonitas de efeito, não teorizou. Ia e vinha da cozinha para o salão com bandejas e travessas; para além de explicar, eventualmente, aqui e ali, um ingrediente ou outro, pouco falou, mas disse muito. Disse fazer. Disse cuidado. Disse generosidade. Disse que a vida é feita de Matéria. Mater. Mãe. No final fui dar-lhe um abraço na cozinha e a senti saciada. Dei-me conta que não fui assistir a uma performance, nem participar ao menos… não… aquilo era outra coisa, fui mesmo ser comida. EU COMO VOCÊ – o nome da performance não são palavras bonitinhas jogadas ao vento. Arte; sem dizer, disse. Lu Lessa Ventarola, Coimbra, 1 de outubro de 2020. Um bordado em recado a Ynaie Foto de Lu Lessa Ventarola Este texto integra a coletânea produzida pelo grupo Crítica de Fuga, que acompanha os trabalhos dos artistas e as atividades do Festival Internacional de Artes Performativas – Linha de Fuga. A CoimbraCríticaCrítica de FugaFestival Linha de FugaLu Lessa VentarolaPonte TransatlânticaPortugal