Eis a sempre bem-vinda poesia que nos chega pelo inbox, pelos ventos digitais. É a Kuruma’tá ecoando seu espaço aberto por aí, nas cidades e mentes Brasil adentro.
O poeta André Siqueira, de Jacareí nos oferta generosamente cinco poemas de sua lavra e é com esses versos que começamos a semana Kuruma’tá, que é, essencialmente, uma casa de poesia. Seja bem-vindo, André. A gente agradece a chuva poética que goteja nossos beirais!
o silêncio quebrado apenas
pelo pernilongo da casa
mata o tempo das horas moucas
Poema interiorano
chove como sempre escreveram
nos livros e canções amigas
distantes estamos contando
os casos enquanto calangos
correm na aridez do concreto
fico sentado, vejo o verde
aos borbotões entre a folhagem
verde suculento que enverga
uma saudação japonesa
apanhando da gota estúpida
ouvi melhor o meu quintal
o mato tomando terreno
roça a gotícula infinita
restante que desce da telha
cerâmica Vila Martins
ligo as telas tão antenadas
e transmitem a morte longa
percebo o quintal e sorrio
o sorriso do filho, canta
o galo morador ilustre
do bairro, a dona mora ali
a tarde anila a calcedônia
pelos ares duros do adeus
levanto, saúdo o passeio
pela casa trancada em ponto
sem final que desce da telha
cerâmica Vila Martins
chove como sempre escreveram
o pingo bate, fere a folha
que recurvada reza e vela
vidas lembradas sobre a tarde
uma gota insiste na telha
cerâmica Vila Martins
(Sem título)
chuviscou nos telhados simples
as gotas dançavam dulcíssimas
trespassando os pedestres rápidos
indo e voltando pelo asfalto
empoçado numa renúncia
de quem cansou de tanta gente
que passa e não percebe os cacos
de esmeraldas nos velhos ombros
dos muros plantados nas terras
abertas pelas mãos passadas
silentes no canto da casa
erguida no solo tocado
chuviscou nos telhados simples
as gotas acertavam como
barcos de papel naufragando
no mar de imagens chuviscadas
(Sem título)
o silêncio quebrado apenas
pelo pernilongo da casa
mata o tempo das horas moucas
horas corredoras da noite
enquanto na parede o dono
é o relógio cafona como
a minha cara malpassada
nos ponteiros do meu relógio
sedento e sisudo conduz
a bocarra que enruga e cospe
os detritos vãos da memória
Fendido
Aqui começo a ter as fendas
na cara pobre. Bocejar
sussurração dos que começam
a caminhada relutante.
Exercitar o vazamento.
Preguiça tosca serpenteia
sem condução que tudo para,
qualquer momento, vaporoso.
O carcomido borrifar
de limo velho avarandado
da pele, carne cimentada.
E me confundo nesses móveis
empanturrados. Empenado
dentro da pena sem escrita.
Pincelo a casca leporina,
matamatá consome a margem
imersa. Limpo a tensa calha
tolhida e gasta no apagão
encouraçado na água cinza.
Encalacrado o caminhante
numa travessa corre ilhado.
Finjo mudez atrás da máscara.
Aqui começo a ser as fendas.
O cabide
O cabide quase
terno de precisas
curvas e despidas,
na ausência do terno
mostra o figurino
vazado, vazio
de nada. Percebo
na estranheza tão
guardada que posso,
atento, vestir
a roupa de magra
vista do cabide
discreto, guardado,
dispensado só.
André Siqueira é poeta e mora em Jacareí, interior de São Paulo e publiciu em 2020 seu primeiro livro de poesia por uma editora, intitulado As Manhãs Fechadas (editora Gataria). Tenho poemas publicados nas revistas Gueto, Mallarmargens, Ruído Manifesto, Subversa, entre outras. Atualmente sou colaborador da revista de literatura Pixé.