Mainá | Livro de Karina Buhr Revista Kuruma'tá, 2 de maio de 202310 de outubro de 2023 Texto de Toinho Castro Quem dera, de vez em quando, nesses dias céleres, um livro como Mainá (Todavia, 2022), da Karina Buhr, pra ler e se alentar da literatura. Tem livros que te abrem a porta para mundos, e tem livros que atuam no mundo ao seu redor. Mainá é do segundo tipo. Uma espécie de lente de realidade aumentada, que torce o tecido do tempo-espaço e te reapresenta as dimensões da vida sob uma ótica muito, muito particular, em letras que pouco vejo por aí. Não é literatura de oficina. Karina não repete nem se repete. Há uma originalidade que dá vontade de ter escrito o livro. Tem um pertencimento envolvido. Uma sensação, na verdade, de ter escrito, de ter sonhado tudo isso. Porque o leitor é quem escreve o livro enquanto ele acontece. Enquanto viram as páginas, enquanto o fim não chega. E o fim de um livro, sobretudo um livro como Mainá, pode nunca chegar. Ler a primeira página foi uma grande alegria, por ser o reencontro com a percepção mágica da leitura. Fui surpreendido, tornei-me um encantado. E enquanto escrevo essas linhas, ainda estou a ler Mainá, porque quero que perdure. Quero habitar por mais um tempo esse olhar curioso que percorre o livro. Um livro para retornar, para reler e rearranjar as linhas, letra por letra. Porque em Mainá não se pode perder sinal algum na leitura. Os mínimos elementos, os átomos das palavras, tem significado. É como atravessar um riacho por um caminho de pedras, em que você não pode deixar de pisar numa pedra. Tudo é preciso, tudo é necessário, tudo te leva à próxima pedra a pisar. E tudo, ao mesmo tempo, é o riacho, que não cessa. Sim, não terminei ainda Mainá, mas já amo. Amei na primeira página. Amei que a primeira palavra do livro seja jardim. Amei, já no primeiro capítulo, ter encontrado a palavra trancelim. Que achado auspicioso! Já capturado pelo trancelim, não podia mais parar de ler, ainda que ler e ler me levasse ao fim. Não é assim a vida? Do que escrevi no Instagram quando comprei o livro. Vale o registro aqui Rio de Janeiro, 24 de março de 2023 Naquele circuito Recife/Olinda do fim dos anos 80 para os anos 90, um grupo relativamente pequeno de pessoas perambulava mais ou menos pelas mesmas quebradas, pelas mesmas ruas e pontes. Eu estava por ali e a Karina também. Partilhávamos, certamente, da amizade de muitas pessoas em comum, mas nunca fomos apresentados. Nunca fomos amigos ou mesmo nos falamos. Mas eu volta e meia a via, na contramão de uma ladeira, num bar. Eventualmente, de tanto esbarrar (nem tanto assim. Modo de dizer) , nos cumprimentávamos brevemente com um aceno ou um rápido sorriso mútuo. Ela não vai lembrar disso, claro. Hoje tô com o livro dela nas mãos pra ler. Que bom, né?! Mais uma vez esbarro com ela, em forma de palavras. E longe demais do Recife ou de Olinda. A AfetoLeituraLivroMemória