Texto de Eduardo Frota
Há um rio corrente entre as duas margens e não se sabe como chamá-lo, nem ao menos se deve ser chamado. Como disse Mário Quintana: nunca dê um nome a um rio, pois sempre é outro o rio a passar. Caminho, um caminho para passos que levam invariavelmente a querer fazer a travessia, a querer que o outro também experimente o que é a travessia.
— Atravessar é fugir com vontade de voltar atravessado.
A vontade é a construção de uma ponte, lenta e custosamente, para ligar uma margem a outra. Uma ponte de estrutura sólida, mas que também precisa ser maleável para suportar a ventania. A passagem deve ser livre, sem pedágios, sem cancelas e com portões sempre abertos em ambos os lados. Para que, em festa, um receba o outro de braços também abertos.
— A ponte é um caminho cujo retorno só é possível quando já se chegou a outro lugar.
Barcos, remos, rumos. Durante a construção, pode-se atravessar esse rio inominável que flui entre as margens a nado também. Demora um pouco mais, é um mergulho solitário, mas é uma ótima atividade para o corpo e para a mente.
Até o dia em que não precisemos mais procurar em vão uma terceira margem, aquela ininteligível de Guimarães Rosa. A ponte, a esta altura, estará adornada feito aquela do quadro de Monet, em Giverny, com o espelho d’água pontilhado de lindos lírios.
Enquanto o rio inominável da vida flui, olhe para a outra margem. Vê o sinal?
— Vem, atravessa.


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