A noite em que um disco voador quase destruiu Recife Revista Kuruma'tá, 19 de maio de 202120 de maio de 2021 Texto de Toinho Castro Recife, 1975. Depois da grande enchente, veio a grande falta de luz. Ainda criança e brincando na rua, eu soube… um grande disco voador pairava, invisível, sobre a cidade, sugando nossos recursos energéticos, levando o Recife à escuridão. Não podíamos vê-lo porque ele ele era tecido de misteriosos materiais, ininteligíveis pra nós, e assim, invisíveis. Ainda assim nos afetava com seu poderoso magnetismo e suas antenas de plasma que estavam apontadas para nós, para as nossas casas e ruas. As autoridades sabiam e estavam trancadas em suas salas, esperando, naturalmente, o pior. Faltava luz e brincávamos na rua, enquanto nossos pais estavam conversavam na calçada. Hoje penso que havia um zumbido muito leve, quase imperceptível, que a tudo permeava. Reverberava nas conversas, na bola que rolava de um pé para o outro, no carro da companhia de energia, zanzando, de uma esquina parra outra, em busca de um curto circuito qualquer num poste qualquer, sem sequer saber por onde começar. Hoje ainda há um zumbido que a tudo permeia. Disse a mim mesmo que não haveria amanhã, que o disco era grande demais e logo romperia a trama do tempo-espaço para destruir, com seus raios selenitas, seus raios marcianos, as nossas vidas pequenas, pacatas. A guerra nunca estivera tão próxima, nem mesmo quando a minha mãe era menina, em Natal, e os malditos nazistas estavam prestes a saltar sobre o Atlântico, para invadir e destruir Parnamirim. A invasão nunca fora tão eminente e estávamos ali para testemunhá-la. Sentado na calçada eu sabia que erámos os mais importantes de todos os tempos, porque o que veríamos não haveria como contar a ninguém. Não teríamos palavras, nem tempo. E talvez ninguém depois de nós para saber, para lembrar em histórias e cantigas. Quando adormeci ainda faltava luz. Acordei no dia seguinte e ao abrir a geladeira, percebi que seu interior estava gelado e iluminado pela pequena lâmpada que enfeitava suas profundezas remotas. Eu mesmo tornei-me remoto, longe de mim mesmo. Corri para a janela e um dia de sol me esperava lá fora. Senti que o disco havia ido embora, fato confirmado pelos olhares dos meus amigos da rua. Decepcionado, retomei meus dias de menino e cresci com o desejo de que uma grande mentira estivesse sendo contada. A ContoFicção científicaRecifeSubliteratura
É uma delícia essa atmosfera que vc cria em suas narrativas, Toinho. Adoro histórias que lembram esse fascinante mundo de ontem porque um mundo imaginado Responder
Claudia! Obrigado pelo comentário. Fico sempre muito feliz quando alguém escreve e compartilha seus sentimentos de leitura. Meu Recife é um Recife sonhado. Responder